quinta-feira, novembro 01, 2007

Terceira: Um Mundo (azul) à parte

A “ilha lilás” confunde-se com o azul que a rodeia. Subir à Serra de Santa Bárbara e olhar para o infinito dá-nos vontade de gritar: “Sou o rei do mundo”! Mas não o fazemos, para não perturbar o silêncio que nos preenche e envolve a ilha.

O título parte, assumidamente, de um ‘cliché’. Mas foi essa mesma a sensação quando chegámos. Pode não ser imediata. Se a visita for curta, de dois ou três dias, pode até dizer que contornou toda a ilha, mas não chega, com certeza, para ver tudo o que a Terceira tem para oferecer.

Conhecida como “a ilha lilás”, pelos lilases que dão cor à terra quando florescem, foi a terceira ilha dos Açores a ser descoberta e tem na sua capital, Angra do Heroísmo, a primeira cidade europeia do Atlântico. Esta cidade, ponto de partida para a descoberta da ilha, “a primeira cidade do novo mundo”, como lemos num folheto de informação turística sobre a região, tem uma área com cerca de seis quilómetros quadrados classificada pela Unesco como Património da Humanidade, desde 1983. A zona, no centro da cidade, integra o vulcão já extinto do Monte Brasil e uma parte do centro antigo de Angra.

Em Angra podemos desde logo revisitar a história da cidade, com monumentos e ruas que descrevem a sua memória. Desde o Castelo de São João Baptista, passando pelo Palácio dos Capitães Generais, pela Sé Catedral, pelo Solar da Nossa Senhora dos Remédios, até uma visita ao Jardim Público, há muito para visitar.


Apesar de ser o Faial “a ilha azul”, pelas hortênsias da mesma cor características da região, a Terceira, “a ilha lilás”, confunde-se também com o azul que a rodeia, e Angra do Heroísmo é apenas o ponto de partida, de onde começamos a percorrer a ilha, junto ao mar.

Seguimos viagem

Até aqui, já podemos ter perdido, ou melhor, ganho várias horas ou dias, e podíamos continuar por ali. Mas seguimos. De Angra, vamos para oeste. Depois de passarmos por São Mateus da Calheta, onde podemos dar um mergulho na piscina oceânica, chegamos a Cinco Ribeiras, já na zona ocidental da ilha, à Gruta das Cinco Ribeiras. O acesso é feito directamente pela costa para uma gruta subaquática a partir da qual podem ser observadas mais de cem espécies, isto, é claro, com o fato de mergulho vestido.

Já que estamos tão perto, subimos à Serra de Santa Bárbara. A estrada é sinuosa, com bastantes curvas, mas a viagem compensa. Se o tempo o permitir, do topo do imperial cume podemos avistar toda a ilha, e uma imensidão em redor.

Na descida regressamos à costa, passamos por Doze Ribeiras, perdemo-nos mais uma vez a olhar para o azul e retomamos caminho. “Baleia à vista!”. Não vimos nenhuma, mas devia ser assim que gritavam os homens na Vigia da Baleia, de onde se vê também uma paisagem fora do comum.

Deixámos para trás as formações vulcânicas dos Biscoitos, Quatro Ribeiras, já na costa norte da ilha Terceira, e voltamos a aventurar-nos para o interior, para visitar as Furnas do Enxofre e, ainda antes de voltar para mais próximo do mar, passamos pelo Algar do Carvão, reserva natural geológica. Já estamos a cerca de 100 metros de profundidade, quando chegamos a uma lagoa e olhamos ainda as estalactites que pendem do tecto da gruta. Saímos do vulcão e respiramos.

A caminho do outro concelho da Ilha Terceira, a Praia da Vitória, vemos o nosso ponto de chegada, o Aeroporto Internacional das Lajes, mas o olhar desvia-se rapidamente, porque queremos continuar por ali.

Chegados à Praia da Vitória descansamos na areia. A sensação divide-se entre o imenso do muito que já vimos e o que ainda queremos viver naquele lugar especial. Por agora, ficamos a olhar para o azul.

Publicado na edição de Outubro de 2007 da revista Ambitur.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Como vai a Estratégia de Lisboa?

“Uma Europa global e alargada tem o direito de ser ambiciosa. A ambição deve ser acompanhada de determinação. Estou motivado pelo que alcançamos em 2006 e desejo que em 2007 se progrida ainda mais. Estou convencido de que a forma europeia de trabalhar se adequa da melhor forma aos desafios do século 21. A relação entre a dinâmica de mercado, a coesão social e a responsabilidade ambiental é uma combinação única. Explorar este potencial é um caminho seguro para o crescimento e para o mercado de trabalho europeu.”

José Manuel Durão Barroso
Presidente da Comissão Europeia

As palavras de José Manuel Durão Barroso, publicadas no mais importante relatório anual da Comissão sobre a execução da reforma eco
nómica na Europa [O relatório intercalar anual da Comissão baseia-se nos relatórios de execução apresentados pelos Estados-Membros no Outono de 2006 e na análise feita pela própria Comissão das reformas levadas a cabo a nível da UE ao abrigo do programa comunitário definido em Lisboa. (fonte: site oficial da Comissão Europeia)] , dão as linhas orientadoras para o Conselho Europeu da Primavera a realizar em Março de 2007.

No final de 2006, o balanço feito pela Comissão é positivo. A aposta no crescimento e emprego tem de continuar e deve agora começar a ser mais específica para cada estado-membro, para que cada país saiba em que áreas se focar. O papel de Portugal, assumindo a Presidência da União Europeia (UE) no segundo semestre do ano, é fundamental, como salienta Carlos Zorrinho, Coordenador Nacional da Estratégia de Lisboa e do Plano Tecnológico: “a oportunidade de Portugal desempenhar um papel fundamental no novo ciclo da reforma institucional não o inibe, mas antes o desafia, a ter também um papel determinante no impulso necessário para que a Agenda de Lisboa, relançada em 2005 com resultados comparativamente muito prometedores e que conta actualmente com programas nacionais de reforma 2005/2008 em plena execução, possa começar a ser objecto, ao longo deste ano e em especial durante a presidência portuguesa, da preparação de um novo ciclo de implementação para o horizonte pós-2008.”

Mais do que o papel singular de Portugal à frente dos caminhos da UE, o horizonte deve ser mais abrangente e ter em conta o papel conjunto dos diferentes estados-membros que estarão na presidência da UE nos próximos tempos. O mote é dado pela Alemanha. “A presidência alemã tem vindo a revelar uma forte vontade política de tirar partido da conjuntura internacional favorável, definindo um ambicioso programa para a sua presidência, em articulação com o programa mais vasto do trio que inclui a presidência portuguesa no segundo semestre de 2007 e a presidência eslovena no primeiro semestre de 2008”, afirma Carlos Zorrinho.

O Balanço do Fórum Económico Mundial

O Fórum Económico Mundial (FEM) elaborou no final de 2006 um relatório onde está em análise o progresso efectuado até à data pela UE no âmbito da Estratégia de Lisboa. É um indicador a ter em conta para perceber quais as medidas que estão a ter sucesso e quais os novos caminhos a traçar.

De acordo com o FEM, a Dinamarca é a economia mais competitiva e dinâmica da EU, tendo já cumprido a maioria dos objectivos definidos pela Estratégia de Lisboa.
Entre as economias mais desenvolvidas da Europa, a Alemanha aparece em quinto no estudo do FEM, enquanto o Reino Unido e a França surgem em sexto e nono lugares, respectivamente. Portugal surge em 13º. O FEM diz que os membros da UE têm de fazer mais tendo em vista o mundo empresarial e a inovação.

O FEM elaborou um ranking dos 27 membros da União Europeia e dos candidatos Croácia e Turquia, com base em critérios como liberalização dos mercados, aumento da inclusão social e aposta no desenvolvimento sustentável.

A Dinamarca obteve óptimos resultados em todas as áreas e fez mais para impulsionar as empresas. O Reino Unido está no topo em termos de poder dos mercados financeiros mas aparece apenas em nono lugar quando se trata de promover a inclusão social. A Alemanha obteve bons resultados no desenvolvimento sustentável e liberalização dos mercados mas está apenas em 12º em termos de estímulo da área empresarial.

Os estudos mostram que alguns membros mais recentes da UE, como a Estónia ou a Eslovénia, estão a progredir mais rapidamente na reforma económica do que países “mais antigos”. A Polónia, que aderiu à UE em 2004, está mais atrasada do que a Croácia e a Turquia, países que são ainda candidatos.

“A conclusão é que a atenção da UE deve estar focada em três áreas”, afirma Jennifer Blake, economista na Rede Global de Competitividade do FEM: “melhorar as condições para a inovação, pesquisa e desenvolvimento, desenvolver um sociedade de informação mais forte e criar condições mais adequadas para a actividade económica do sector privado.”

Ranking FEM 2006
Países membros da EU + Croácia e Turquia

1. Dinamarca
2. Finlândia
3. Suécia
4. Holanda
5. Alemanha
6. Reino Unido
7. Áustria
8. Luxemburgo
9. França
10. Bélgica
11. Irlanda
12. Estónia
13. Portugal
14. República Checa
15. Espanha
16. Eslovénia
17. Hungria
18. República Eslovaca
19. Malta
20. Lituânia
21. Chipre
22. Letónia
23. Grécia
24. Itália
25. Croácia
26. Turquia
27. Roménia
28. Bulgária
29. Polónia

O projecto científico da União Europeia

O FP7 é o sétimo programa-quadro para a Investigação e Desenvolvimento Tecnológico. Em vigor no período 2007-2013, será um dos instrumentos ao dispor da presidência portuguesa da União Europeia (UE), com vista às tão desejadas sociedade do conhecimento e economia competitiva.

Concebido essencialmente para financiar a investigação na Europa, o FP7 tem também em vista dar resposta às necessidades de emprego europeias e à sua competitividade. O FP7 apoia a investigação em áreas prioritárias seleccionadas. O objectivo é tornar ou manter a UE na posição de líder mundial nesses sectores.

O FP7 é constituído por 4 blocos principais de actividades que formam 4 programas específicos mais um quinto programa sobre a investigação na área da energia nuclear. Os 4 pilares são: cooperação, ideias, pessoas e capacidades, que englobam outros sub-temas, como saúde, alimentação, tecnologias da informação e das telecomunicações, energia, ambiente, transportes, segurança, etc.

Os organizadores do programa esperam "estimular a produção do conhecimento e da excelência científica ao permitir que universidades, institutos de pesquisa e empresas europeias estabeleçam contacto com parceiros em outros países, de modo a facilitar o acesso a ambientes de pesquisa fora da Europa e promover sinergias em escala global".

“O FP7 vai contribuir para atingir os objectivos da Estratégia de Lisboa, que tem em vista tornar a Europa a economia mais competitiva a nível mundial”, afirmou Janez Potonick, Comissário Europeu para a Ciência e Investigação, na apresentação do acordo, em Novembro de 2006.

Outro objectivo é impulsionar o investimento em investigação e desenvolvimento até 3% do PIB até 2010, mas a maioria dos analistas não acredita que o objectivo seja cumprido no prazo estipulado. Tomemos como exemplo o caso do Reino Unido. Peter Cotgrave, Director da Campanha para a Ciência e Engenharia no país, comentou: “o Governo britânico traçou novos objectivos para alcançar a marca dos 2,5% em 2014, e mesmo esse valor é bastante complicado de atingir”.

O maior programa já lançado pela UE para incentivar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia contará com um investimento total de 53,2 biliões de euros. O lema é: “as respostas do amanhã começam hoje”.

sábado, dezembro 16, 2006

Saltos de Liberdade


Se passear um destes dias pelas ruas da sua cidade e por acaso vir alguém a trepar uma parede não se admire. O parkour, ou free-running, nasceu em França há cerca de dez anos e chegou a Portugal para ficar.

O parkour, nome originário do francês “le parcours” – percurso ou trajecto – é normalmente classificado, quando o tentam definir, como um desporto radical urbano. Quem faz do parkour um modo de vida, diz que “apesar de o ver como um desporto, é mais do que isso, é um modo de vida”. José Gama, de 24 anos, é um dos principais impulsionadores da modalidade em Portugal.

De frente para o prédio, o traceur (expressão francesa que significa “bala”) – praticante de parkour – tira as medidas ao obstáculo, avalia a melhor forma de o ultrapassar, concentra-se e avança determinado. José Gama, ou Zeric, nome pelo qual é conhecido no meio, traça um paralelismo entre a essência do parkour e a sociedade: “tudo o que são obstáculos sociais, nós aprendemos a ultrapassá-los mentalmente”.
Para um traceur, um obstáculo é um desafio, mais do que isso, é uma oportunidade de chegar mais longe, de conseguir mais e melhor. A base do parkour é essa mesma: ir de um ponto a outro da forma mais rápida e fluida possível.

O parkour tem origem francesa e, embora haja alguma controvérsia em relação ao seu criador, existem dois grandes nomes que são consensuais, embora com perspectivas diferentes, o que faz com que existam duas variantes deste desporto. David Belle valoriza essencialmente a parte física e desportiva do parkour. No meio urbano tudo são obstáculos e o desafio é transpô-los da forma mais fluida, sejam eles prédios, bancos ou telhados. Belle ter-se-á inspirado nos movimentos do seu pai, Raymond Belle, combatente na Guerra do Vietname. Sebastien Foucan, defende um parkour com bases mentais e filosóficas, que remontam ao jeet kune do, um sistema de arte marcial criado por Bruce Lee que valorizava, mais do que a técnica de combate, a filosofia baseada na experiência e no pensamento. Na tradução, jeet kune do lê-se “caminho para interceptar primeiro”. Para Foucan, que participou recentemente no filme 007-Casino Royale numa espectacular cena de perseguição, a essência do parkour é ir mentalmente ao encontro do objecto.

Em Portugal, ao contrário do que acontece em Espanha e principalmente em França, só recentemente o parkour começou a ganhar algum destaque. José Gama conta que “foi difícil de arrancar”. A Internet possibilitou que este desporto se tenha tornado popular entre os jovens e hoje são já vulgares as jams – encontros regulares entre praticantes de parkour – por todo o país. O primeiro encontro nacional ocorreu há cerca de um ano no Parque das Nações, um dos locais privilegiados para a prática de parkour, tal como a zona de Telheiras, onde começaram a aparecer os primeiros traceurs portugueses, em 2004. Actualmente na Internet, um dos fóruns mais populares dedicados a esta actividade conta com mais de 2000 participantes.

João Amaral, de 21 anos, teve contacto com o parkour há uns meses atrás. Viu um vídeo na Internet e foi pesquisar um pouco. O interesse foi instantâneo e actualmente João tem duas tardes por semana reservadas para o treino, seja este em Telheiras, onde começou, ou noutro local. Para João, “mais do que um desporto, o parkour é uma forma de libertação do espírito”. “Nas tardes em que saio para treinar, deixo para trás as preocupações e sinto que sou livre. Não que não seja (risos), mas tenho a sensação de poder vencer qualquer desafio”.

Um traceur vê a cidade de outra forma. Além dos hábitos saudáveis associados a este ritual e da sensação de autonomia que sentem, por não recorrerem a quaisquer acessórios, como por exemplo no rollerblading, o parkour revela-se em mais do que saltar muros ou varandas. Mais do que o desafio físico, o parkour é a constante tentativa de superar os limites. Visto assim, como um meio de nos moldarmos à vida urbana, talvez seja esta uma forma de tornar a cidade mais humana ▪

segunda-feira, novembro 27, 2006

Não à pergunta

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Tal como em 1998, esta é a pergunta à qual os portugueses devem responder "sim" ou "não". Tal como em 1998 as dúvidas sobre a pergunta mantêm-se, repetindo-se o resultado da aprovação sobre a consulta com sete juízes a favor e seis contra.

A esta pergunta a minha resposta é não, o que não quer necessariamente dizer que seja, como muitas vezes se ouve, contra o aborto. Ser a favor ou contra o aborto é obviamente uma questão muito complexa que não pode ser resumida desta forma, sem ter em conta muitos factores. A pergunta é redutora e confusa e sendo o ponto de partida errado, o percurso não será com certeza sereno.

Esta é uma questão central no debate político e não pode ser bandeira de movimentos feministas ou religiosos. Quanto à questão da mulher, o que a pergunta diz é que se trata de uma decisão exclusiva da mesma a de abortar ou não. Posso perfeitamente discordar desse aspecto não sendo por isso "contra o aborto". Não é, obviamente, minha pretensão apresentar aqui uma solução para o problema, mas a opção não pode ser em todos os casos apenas de uma das partes. Esse aspecto é para mim suficiente para o não, mas aqui ainda estamos no campo dos valores e da opinião de cada um.

Passando para o campo legal, a questão revela-se inconstitucional. Se a Constituição portuguesa afirma que "a vida humana é inviolável" (art. 24.º) e impõe que a lei garanta "a identidade genética do ser humano" (art. 26.º, nº3), a pergunta não pode nunca ser formulada desta forma. Muda-se a pergunta, ou muda-se a Lei.

Errado é considerar que esta é uma questão do foro íntimo das mulheres ou uma questão religiosa, como errado é também cair em estereótipos do tipo "os direita são contra e os de esquerda são a favor", parecendo que se torna obrigatório rotular politicamente as posições tomadas.

Se o assunto fosse de fácil digestão não daria azo a tanta discórdia, mas se complexas questões geram um grande debate sobre o aborto, menos difícil é perceber o "não" a esta pergunta.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Os Grandes Portugueses

Do debate de ontem da RTP "Os Grandes Portugueses", vi apenas a primeira parte, pouco mais de uma hora. Publicitou-se um debate, apresentou-se uma batalha.

Após várias repetições de ideias vagas e genéricas sobre a essência da iniciativa, surge a guerreira Maria Elisa em defesa das mulheres. Tinha ideia que esta "sondagem" não tinha o intuito de uma batalha entre homens e mulheres, para ver quem é o melhor, mas é o que parece, pelo menos pelas palavras da jornalista que era não apenas a moderadora do "debate", mas também uma representante da RTP.

Uma ou outra intervenção foram talvez uma lufada de ar fresco.

Ficámos a saber, na visão da escritora Isabel Alçada, que do público votante apenas pouco mais de 30% são mulheres porque não têm tempo, uma vez que têm muitas tarefas domésticas a seu cargo. Valeu a resposta de Lídia Jorge que pôs alguma sanidade na questão.

Se calhar esperava um pouco mais de um programa que se revelou vago enquanto fugia para temas distantes.

Maria Elisa afirmou também que o universo dos portugueses vivos em quem se pode votar são cerca de dez milhões, quer isto dizer que não se pode votar nos milhares de portugueses espalhados pelo mundo, quando muitos destes terão feito provavelmente mais obra do que alguns dos que por cá ficam.

Acho a "sondagem" interessante. Concordo que pode constituir matéria de interessante análise. Concordo que pode por as pessoas a interessarem-se pela História.
Como à investigadora Joana Amaral Dias, interessa-me mais o processo que antecede o resultado final do que o resultado em si.

Não tenho neste post, como deve ser óbvio, quaisquer pretensões de crítica à obra feita pelos intervenientes no programa de ontem, mas critico sim a forma como foi conduzido o debate de ontem e dos assuntos falados que passam ao lado do tema ou, pelo menos, não merecem neste caso a importância com que foram tratados.

Pode-se considerar um acontecimento lúdico, como foi repetidamente dito no programa, mas se é para fazer um debate em torno do tema, faça-se um debate com conteúdo.

terça-feira, setembro 12, 2006

"Qual a diferença entre xiitas e sunitas?"

Xiitas

Os xiitas (em árabe shi'a) constituem uma das duas grandes seitas do Islão, criadas com o Cisma que dividiu os fiéis do profeta Maomé, após a sua morte. Literalmente, a palavra "xiitas" significa "partidários de Ali" - o genro do profeta Maomé, que estes muçulmanos acreditam ser o verdadeiro sucessor do Mensageiro de Alá.

Na história recente islâmica, os xiitas eram uma facção política que apoiava o poder de Ali Abu Talib (que casou com Fátima, filha de Maomé), quarto e último califa eleito (governador civil e espiritual) da comunidade muçulmana. Ali tornou-se califa com o apoio, entre outros, dos assassinos do terceiro califa, Uthman, o que fez com que não tivesse obtido a obediência e fidelidade de todos os muçulmanos.

Ali foi assassinado e, a partir daí, os xiitas empenharam-se na defesa da legitimidade religiosa e política dos seus descendentes.

Durante séculos, o movimento xiita teve uma influência decisiva sobre o Islão, apesar da sua posição minoritária. Em finais do século XX, existiam entre 60 e 80 milhões de xiitas, representando um décimo de todo o Islão. Com o tempo, os xiitas dividiram-se em várias seitas semelhantes (entre as quais os ismailitas). O desejo de que os descendentes de Ali se tornassem os líderes do mundo islâmico nunca foi realizado, já que os sunitas sempre foram mais numerosos e expressivos.

Países onde os xiitas são a fé maioritária: Irão (esmagadora maioria, com cerca de 90 por cento) e Bahrein (embora o poder esteja na mão dos sunitas).

São uma minoria significativa no Iraque, Iémen, Síria, Líbano, Arábia Saudita, Índia e Paquistão.

Sunitas


Grupo maioritário do Islão, que domina quase continuamente desde o ano 661, onde representa cerca de 90 por cento dos fiéis.

Os sunitas começaram por defender o califado de Abu Bakr, um dos primeiros convertidos ao Islão e discípulo de Maomé, contra Ali Abu Talib. Geralmente, aceitavam de boa vontade a liderança de qualquer califa ou dinastia de califas desde que proporcionasse o exercício apropriado da religião e mantivesse a ordem no mundo muçulmano.

Os sunitas afirmam representar a continuação do Islão tal como foi definido através das revelações de Maomé e da vida do profeta. O nome sunita vem de "suna" - palavras e acções do profeta Maomé.

Muitos pensam que os sunitas representam a interpretação ortodoxa e correcta do Islão, enquanto as restantes fés se desviam desta interpretação.

Apesar de respeitarem Ali, os sunitas não o consideram como o único verdadeiro continuador da tradição de Maomé nem o vêem como um representante terreno do profeta.

Quais as diferenças de fé entre xiitas e sunitas?


A nível teológico, existem algumas grandes e muitas pequenas diferenças entre sunitas e xiitas. Os dois ramos partilham apenas três doutrinas: a individualidade de Deus, a crença nas revelações de Maomé e a crença na ressurreição do profeta no Dia do Julgamento.

Os "hadith" (as palavras e actos de Maomé e dos primeiros muçulmanos, usadas como suplemento ao Corão, para compreensão do Islão) são diferentes para sunitas e xiitas, dando os primeiros grande importância à peregrinação a Meca, enquanto os segundos dão também muita importância a outras peregrinações.

Os xiitas usam geralmente o termo Imã apenas quando se referem a Ali e aos seus descendentes, ao contrário dos sunitas. Os xiitas acreditam nos imãs que, como descendentes de Maomé e Ali, são vistos como seres com algo de divino. Os sunitas, por seu lado, acreditam em tradições baseadas em escolas teológicas e jurídicas que envolviam analogias do Corão e dos "hadith".

Algumas características particulares dos xiitas: a dissimulação da fé em público, de forma a evitar problemas sociais, é permitida, desde que mantida em privado; existe um casamento temporário, onde o contrato celebrado estabelece um período de tempo entre um dia e 99 anos; estes casamentos temporários podem envolver ou não sexo e/ou o pagamento de dinheiro. De acordo com a crença xiita, o homem que conseguir realizar quatro casamentos deste género assegura um lugar no Paraíso.

Sofia Branco
Publico.pt, 7 de Junho de 2001

sexta-feira, setembro 08, 2006

E se o 11 de Setembro nunca tivesse acontecido?

«Um mundo sem o ataque contra Nova Iorque e Washington seria "um mundo de paz, prosperidade e trivialidade", considera o editor da Newsweek Fareed Zakaria. É possível traçar vários cenários, mas uma coisa é certa: "Haveria suicidas a planear um ataque terrorista contra os Estados Unidos. A história teria sido adiada, mas não teria sido negada.»




«Como seria hoje a América (e o mundo) se o 11 de Setembro nunca tivesse acontecido? Os EUA teriam invadido o Iraque? Conseguiria a Administração do Presidente George W. Bush sobreviver às eleições de 2004? Haveria "bolhas" na bolsa do mercado imobiliário? Estaria a cidade de Nova Iorque a investir na maior operação de reconstrução urbana da sua história? Quanto custaria o barril de petróleo? Qual seria hoje o défice americano?

"Em muitos aspectos, a nossa vida continua a ser tal como sempre foi. Mas ao mesmo tempo, todos sabemos que o 11 de Setembro despoletou alterações profundas - políticas, culturais, sociológicas; intelectuais, emocionais e psicológicas - em Nova Iorque e em todo o mundo", descreve o jornalista John Heilemann, da revista New York Magazine. " A questão é, precisamente, saber quais foram essas mudanças."

A publicação pediu a alguns escritores, jornalistas, políticos, académicos e outros especialistas para fazerem um exercício de ficção e imaginarem o que nunca teria acontecido se a América não tivesse sofrido os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001.

A resposta mais óbvia é: "3000 pessoas ainda estariam vivas", assinala Hank Scheinkopf, um consultor político. "Continuaríamos a chegar ao aeroporto à última hora e não haveria paranóia de segurança. As declarações do Irão seriam pouco importantes. O jornalista Daniel Pearl não teria sido decapitado. O académico Francis Fukuyama seria mais importante do que Samuel Huntington, que seria desmascarado como o cripto-fascista que é. A história teria acabado. A semana teria sete domingos. Wall Street estaria a bater no céu. O barril de petróleo custaria 20 dólares. Fidel Castro ainda seria o grande inimigo. Oliver Stone estaria a fazer um filme sobre Saddam Hussein. Os super-ricos estariam preocupados com a pobreza nos países pobres. Os palestinianos teriam um estado. Os muçulmanos moderados controlariam os extremistas islâmicos. A América seria menos religiosa e a França menos anti-americana", ironiza o escritor e filósofo francês Bernard-Henri Lévy.

"Não teríamos a guerra do Iraque"
"O Congresso nunca teria autorizado o uso da força no Iraque, mesmo sob o argumento ilusório de que Saddam possuía armas de destruição maciça", considera a historiadora Doris Kearn Goodwin.

Para o analista e comentador Thomas L. Friedman, a China seria a principal preocupação da Administração americana. "Antes do 11 de Setembro, o país encaminhava-se para uma espécie de 'guerra fria' com a China. O relacionamento entre os dois países seria muito mais hostil", estima. Os EUA estariam mais preocupados com a Coreia do Norte do que com o Irão, prossegue, e o ritmo da globalização - que não teria abrandado - tornaria a Índia e a China nas maiores ameaças à pujança económica da América.

Sem guerras para combater, o Executivo de Bush teria concentrado a sua atenção na agenda interna. "Sem a guerra ao terror, a prioridades legislativas da Administração seriam as chamadas 'guerras culturais'. Os esforços para reverter a lei Roe vs Wade [direito ao aborto], de estancar a acção afirmativa ou a separação entre o Estado e a Igreja teriam sido muito mais sérias", considera Dahlia Lithwick, da revista Slate.

"Um mundo sem o 11 de Setembro seria um mundo de paz, prosperidade e trivialidade", considera o editor da Newsweek Fareed Zakaria. "Assuntos como o casamento gay ou a história de Terri Schiavo dominariam a atenção pública.

O maior best-seller seria um livro sobre como enriquecer com o investiento imobiliário em zonas ribeirinhas", acrescenta.

Pouca gente acredita que George W. Bush tivesse sido reeleito Presidente se o país não tivesse sido atacado a 11 de Setembro. "Sem o trunfo da segurança na campanha eleitoral de 2004, teria sido praticamente impossível que John Kerry não tivesse ganho as eleições", considera Thomas Friedman. Frank Rich nota que "como os republicanos não poderiam agitar a bandeira do medo, os democratas teriam beneficiado da revolta do eleitorado com a expansão da agenda da direita religiosa, mesmo que não tivessem melhores ideias nem um melhor candidato que a oposição".

Ainda os extremistas islâmicos
Mas mesmo que o 11 de Setembro nunca tivesse acontecido, a América continuaria a ser o alvo principal dos grupos islâmicos extremistas. "O fundamentalismo islâmico e as suas intenções violentas nunca teriam deixado de crescer. Antes dos ataques às Torres Gémeas, seria possível aniquilar uma conspiração como a de Londres? Provavelmente não. Há uma boa probabilidade que há pouco mais de um mês dez aviões teriam explodido sobre os Estados Unidos", estima o escritor Ron Suskind.

"O Afeganistão ainda seria dominado pelos taliban e a Al-Qaeda estaria confortavelmente instalada. Os clérigos wahhabitas andariam a fomentar o ódio ao Ocidente. Os milionários sauditas continuariam a financiar madrassas e grupos militantes fundamentalistas. E claro que haveria suicidas a planear um ataque terrorista contra os Estados Unidos. A história teria sido adiada, mas não teria sido negada", conclui Fareed Zakaria.»

Rita Siza, Nova Iorque
Público, 8 de Setembro de 2006

quinta-feira, setembro 07, 2006

Salazar's "Election"

«Portugal in election week was like a nation under siege—and, in a sense, it was. The air force was alerted. Naval patrol boats growled offshore, and ground troops earmarked for the revolt-torn African colony of Angola were diverted to home duty instead. From the Mediterranean to the Atlantic-whipped northwestern frontier, police mounted a vast network of roadblocks known as "Operation Stop," ostensibly to crack down on auto thieves. Actual reason for the emergency: Strongman António de Oliveira Salazar's obsessive fear that maverick Henrique Galvâo, who stole the Santa Maria and world headlines in an eleven-day protest against the regime last January, plans a coup in Portugal itself.

Even so, Galvâo's Anti-Totalitarian Front took the regime by surprise. Six of his agents hijacked a Portuguese airliner as it approached Lisbon from Casablanca, dumped thousands of anti-Salazar leaflets over the capital, then flew to Tangier. Had Galvao actually landed last week, he might have met little effective opposition. So suspicious of everyone is Salazar that his soldiers were issued machine guns without bolts and rifles without bullets; fighter planes were grounded with empty gas tanks. But the real threat to the regime came from what, in the world's most durable dictatorship, are euphemistically known as elections. In 29 years as Premier, Salazar has never wavered in his belief that Portugal is unready for democracy; he tolerates the appearance of elections, as a government official admitted, only in hopes of satisfying world opinion that he need not fear taking his policies to the people.

To the Bitter End. At stake were the National Assembly's 130 seats, traditionally reserved every four years for members of Salazar's rubber-stamping National Union. They were contested this year by an articulate cross section that was known informally as the "Democratic Opposition" and ranged from monarchists to socialists and old-guard liberals, disenchanted doctors and lawyers to army and navy officers. The opposition platform, which the government labeled "unconstitutional," called for democratic rights, economic progress and an enlightened colonial policy. But the opposition's main target was 72-year-old António de Oliveira Salazar, for as one candidate exclaimed: "The government's only hope is that Salazar is immortal. Like Hitler and Mussolini, this regime is holding out to the bitter moment when all crashes about it."

While Salazar's regime is benevolent compared to the Nazis or Fascists at their worst, the government nevertheless arrested many prominent opponents before the start of Salazar's 30-day campaign period. A dozen more were jailed for signing the opposition's manifesto. Though candidates could be nominated only by petitions signed by 20 local electors, many opponents of the regime found that their backers had mysteriously been disqualified. None were allowed access to electoral rolls; election officials told monarchist candidates that their nomination papers had been filed "one minute too late." Only 59 opposition candidates managed to win government approval. So sure were Salazar's men of re-election that one National Assemblyman toured the U.S. throughout the campaign. After all, his opponent was in jail.

Window to the World. Harassed at every turn, the opposition was unable to rent headquarters in downtown Lisbon, had to settle for three fly-blown rooms in a condemned slum tenement (rent: $400 for 30 days). Posing as sympathizers, secret police tried to worm their way into the organization; one was spotted and nearly lynched. Censors either suppressed candidates' statements, delayed them until the government had its reply ready, or simply doctored them to suit Salazar. The Roman Catholic hierarchy, which has had its differences with Salazar, published a message cautioning Catholics not to vote for "Communists or their allies"—the label Salazar pins on all his opponents —but took pains nonetheless to dissociate the church from "the methods of totalitarian government."

Despite increased support from many Portuguese who approve Salazar's ruthless suppression of the Angola revolt, the regime's unpopularity showed itself in the crowds that queued for admission to opposition meetings and showered even the most pedestrian speakers with wild applause. Under the dour eyes of police at Lisbon's dingy old Republican Center last week, they chorused "Down with fascism" as candidates denounced government "terrorism" in Africa, Portugal's "medieval" police state and meager living standards (per capita income: less than $200 a year). Said one opposition leader: "We are being forced to live on a little island while others march forward. We are being operated like a private farm."

Rather than give Salazar the satisfaction of gloating over a rigged "victory." the opposition dramatically withdrew from the contest five days before this week's scheduled elections, calling on Portugal's 2,250,000 voters to boycott the polls. The government immediately banned all further news of the opposition on the theory that "it no longer exists." Though many opposition leaders faced jail sentences for their part in the campaign, few felt it had been in vain. Said one: "We opened a very small window to show the world the lies and treachery that surround us."»

Time, 17 de Novembro de 1961

sexta-feira, agosto 25, 2006

Honey, I Shrunk the Solar System

«If you woke up Thursday morning and sensed something was different about the world around you, you're absolutely right. Pluto is no longer a planet.

The International Astronomical Union, wrapping up its meeting in Prague, Czech Republic, has resolved one of the most hotly-debated topics in the cosmos by approving a specific definition that gives our solar system eight planets, instead of the nine most of us grew up memorizing.

NASA has already visited all eight planets that retain their official title: Mercury, Venus, Earth, Mars, Jupiter, Saturn, Uranus and Neptune. In addition, the agency has its New Horizons spacecraft en route to Pluto, which the astronomical union has re-assigned to a new category of celestial objects, to be called "dwarf planets."

"NASA will, of course, use the new guidelines established by the International Astronomical Union," said Dr. Paul Hertz, Chief Scientist for the Science Mission Directorate at NASA Headquarters. "We will continue pursuing exploration of the most scientifically interesting objects in the solar system, regardless of how they are categorized."

Ceres, which orbits in a belt between Mars and Jupiter and is the largest known asteroid, is one of those interesting objects. In 2007, NASA will launch the Dawn spacecraft on a mission to study Ceres, which the astronomers have placed in the dwarf planet category, alongside Pluto. The dwarf planet family also includes 2003 UB313, nicknamed "Xena." When Dr. Mike Brown of Caltech and his colleagues announced last summer that they'd discovered the object, which is bigger and farther away than Pluto, many astronomers decided it was time to figure out once and for all, "What exactly is a planet, anyway?"

Here's how it all shakes out. The International Astronomical Union has decided that, to be called a planet, an object must have three traits. It must orbit the sun, be massive enough that its own gravity pulls it into a nearly round shape, and be dominant enough to clear away objects in its neighborhood.

To be admitted to the dwarf planet category, an object must have only two of those traits -- it must orbit the sun and have a nearly round shape. And no, moons don't count as dwarf planets. In addition to Pluto, Ceres and 2003 UB313, the astronomical union has a dozen potential dwarf planets on its watchlist.

What's to become of the other objects in our solar system neighborhood, the ones that are not planets, not dwarf planets and not moons? The organization has decided that most asteroids, comets and other small objects will be called "small solar-system bodies."

Despite the establishment of these three distinct categories, there are bound to be gray areas. As technologies improve and more objects are found, the International Astronomical Union will set up a process to decide which categories are most appropriate for specific objects.

Even before the discovery of Xena, not all was calm in the planetary world. There was debate after Clyde Tombaugh discovered Pluto in 1930. With its small size, distant location and odd orbit, some questioned whether Pluto was really a planet or just an icy remnant of the planet-forming process.

That issue has been resolved by the International Astronomical Union. Among those most keenly following the debate -- Mike Brown, who has been awaiting word on Pluto and the object he found, Xena.

"I'm of course disappointed that Xena will not be the tenth planet, but I definitely support the IAU in this difficult and courageous decision," said Brown. "It is scientifically the right thing to do, and is a great step forward in astronomy."

Although the revamping of our solar system might seem unsettling, it's really nothing new. In fact, when Ceres was first discovered in 1801, it was called a planet, as were several similar objects found later. But when the count kept on growing, astronomers decided "enough is enough," and they demoted Ceres and its siblings, placing them in a new category, called asteroids.

The International Astronomical Union, founded in 1919, assigns names to celestial bodies. For more information, visit www.iau.org or www.iau2006.org

JPL/NASA

1- Resoluções da ONU de primeira e de segunda

«Os mesmos que dizem que Israel perdeu a guerra, os mesmos aliás que mostravam uma admiração sacrossanta por aquilo a que chamavam “comunidade internacional” e pela ONU, falam pouco do conteúdo da Resolução 1701 que permitiu o cessar-fogo. Mas dizem à boca cheia que a Resolução não é para aplicar, ou é inaplicável a anteriori e opõem-se à sua implementação no seu ponto mais importante – o envio de uma força militar – negando frontalmente, no caso português, qualquer participação de militares nacionais na implementação dessa Resolução.

Não há nada como ir ver o texto para perceber por que razão a Resolução incomoda tanto e também perceber as diferentes razões por que ela foi aceite pelos beligerantes. Tenho para mim que essas razões são evidentes: para Israel era fundamental a internacionalização do conflito envolvendo outros parceiros ocidentais que não os EUA na segurança da fronteira norte de Israel, colocando-os próximos daquilo que dói no vespeiro do Médio Oriente, ou seja próximos do Hezbollah, da Síria e do Irão a ver se percebem com quem Israel tem que lidar; para o Hezbollah evitava a invasão terrestre do Sul do Líbano, que essa sim poderia levar a uma forte derrocada do seu aparelho militar para o que os ataques aéreos não chegam. Depois, o resto se veria.
Há uma má fé evidente nas razões da aceitação por parte de ambos os lados: Israel sabe que sem agir militarmente contra o Hezbollah este nunca aceitará ser desarmado, e coloca o problema nos amplos braços da França (e por interposta França na amável UE), e o Hezbollah quer ganhar tempo e sabe que só muito dificilmente a força internacional actuará contra ele, como já aconteceu no passado.

2 – Nada como ir ler o texto

O que é que diz o texto da Resolução (de origem americano-francesa registe-se)? Deixando de parte a retórica destinada a permitir que todos – neste caso todos é o governo do Líbano e Israel – salvem a face, a Resolução implica o cessar-fogo imediato e a retirada das forças israelitas do território libanês, entregando o controle pleno da fronteira sul ao exército libanês com a assistência das forças da UNIFIL

Ao Hezbollah pede-se que cesse todos os “ataques” e a Israel que cesse “todas as operações militares ofensivas”, o que já é uma diferença em “diplomatês”, embora aqui essa língua não seja muito relevante. A seguir começa a delinear-se a “solução” da “comunidade internacional” que, se for avante, muda de facto a situação do Líbano: é suposto que o governo libanês assuma o controlo da sua fronteira, “exerça a soberania plena de modo a que não haja aí armas sem consentimento do Governo do Líbano”, o que já não acontece há muitos anos devido à ocupação de facto dessa fronteira pelo Hezbollah. Mais à frente repete-se o que já tinha sido decidido noutras resoluções da ONU nunca aplicadas: o “desarmamento de todos os grupos armados no Líbano (…) de modo a que não haja armas ou autoridade no Líbano que não sejam as do Estado Líbanês.” Mais ainda: não deve haver “forças estrangeiras no Líbano sem o consentimento do Governo libanês”, o que se aplica a Israel, mas também à Síria.

Ao Governo libanês são assacadas várias responsabilidades, que se centram no impedimento de quaisquer actividades militares ou para-militares contra Israel: controle do fluxo de armas, treino militar de milícias, e vigilância nos postos de fronteira (com a Síria como é óbvio) para impedir a ajuda militar ao Hezbollah.

A principal diferença substantiva entre esta Resolução e as anteriores - cuja não aplicação foi consentida pelos mesmos que agora se indignam com o conflito – é o reforço da UNIFIL para um máximo de 15000 efectivos e aquilo que se considera um mandato mais musculado dessa força, ou seja é suposto que não se fique por ver e relatar o que se passa, mas que actue. Sobre esse mandato, cuja actuação deve ser coordenada com os governos do Líbano e Israel (com os dois, embora a força só esteja no Líbano) em vários aspectos, assenta na tomada “de todas as acções necessárias nas áreas onde estejam estacionadas as suas forças e em função das suas capacidades para assegurar que a sua área de operações não é utilizada para actividades hostis de qualquer tipo, resistindo a todas as tentativas para a impedir à força de não cumprir com os seus objectivos ao abrigo do mandato do Conselho de Segurança”.

Lendo o texto percebe-se que ele é o resultado directo da guerra, mesmo que reitere muito do que já tinha sido “decidido” em anteriores resoluções da ONU, naquilo que é uma maior obrigação da “comunidade internacional” de acabar com a ocupação militar do Sul do Líbano pelas milícias do Hezbollah e de assegurar uma fronteira norte segura para Israel. Como Israel não tem reivindicações territoriais sobre o Líbano, tudo o que diga respeito ao desenho da fronteira é irrelevante para Israel desde que esta permaneça segura.

3 – Tomar a sério o texto da resolução mesmo que se duvide da sua aplicação

Conseguirá a ONU, sem os EUA presentes na força militar e contando com o suposto envolvimento das nações europeias (a atitude da França de um passo à frente e dois atrás não surpreende ninguém) ajudar a pacificar o Líbano, ou seja a retirar da política armada libanesa o Irão e a Síria? A julgar pelo passado, a resposta é não. É muito pouco provável que franceses, italianos, portugueses, espanhóis e outros andem aos tiros com o Hezbollah, para assegurar o efectivo controlo da fronteira, suprindo o ineficaz e hesitante controlo feito por um débil Governo libanês. E no entanto, tomar a resolução da ONU à letra, é um passo que se justifica, por maiores que sejam as reservas quanto à sua implementação. Há, insisto, vantagens de todo o tipo em dar esta última oportunidade à “comunidade internacional” na base de uma Resolução que consiste de facto numa vitória diplomática para Israel, como percebem muito bem os seus críticos. Israel que fez uma guerra pela metade, e as guerras pela metade normalmente perdem-se, jogou forte no envolvimento da “comunidade internacional” ou seja , na prática, no dos países da UE para os confrontar com as suas responsabilidades. O modo como eles vão responder – e há sinais contraditórios dessa resposta – vai definir mais eficazmente o significado político da “Europa” comunitária do que cem Constituições. Vamos ver.»

Pacheco Pereira
Sábado e abrupto.blogspot.com

Quem "ganhou a guerra entre Israel e o Hezbollah?"

«É cedo para se saber, mas Israel é o melhor candidato para uma resposta positiva. E no entanto… vai tudo depender do modo como for aplicada a resolução da ONU, em particular do modo como for constituída a força internacional que controlará o sul do Líbano e o modo como esta actuará. E o dilema é bastante simples: ou essa força impede os ataques contra o território de Israel e favorece um diálogo para a paz, enfraquecendo a actuação dos grupos que pretendem exterminar Israel, ou constituirá um falhanço da ONU e da “comunidade internacional”. Tudo indica que poderá verificar-se a segunda hipótese, o que levará Israel à guerra de novo, mas há sérias razões para dar uma última oportunidade a um maior envolvimento internacional, em particular europeu.

Se a França for o principal país a assumir as responsabilidades de segurança no Sul do Líbano, na base do mandato da ONU, pode ser uma rara oportunidade para a França (e por interposta França para a UE) assumir um papel positivo na região, onde só tem tido um papel muito negativo, em particular pelas ambiguidades da sua política face ao conflito iraquiano. Mas convém não ter ilusões, o mandato das tropas da ONU só será eficaz se estas estiverem dispostas a actuar militarmente contra quem tomar a iniciativa de violar o cessar-fogo, e isso vai significar agir contra o Hezbollah. Em bom rigor, também significaria agir contra Israel, mas parece-me pouco provável que o problema seja essa, pelo menos em teoria. Na prática, situações complexas podem surgir, em particular porque Israel aceita a resolução com ressalva do direito de resposta, o que significa uma ainda maior responsabilidade para a força de interposição, que pode vir a ser apanhada entre dois fogos. Mas a política e a acção militar no Médio Oriente não é para meninos de coro, pelo que se espera que quem se mete, saiba no que se mete.

A força militar, cuja presença no Sul do Líbano é que dá consistência à resolução da ONU, terá também a difícil tarefa de impedir que o Hezbollah actue nessa zona como um grupo armado, ou seja, que se comporte como uma milícia que não responde ao governo libanês e que desenvolve actividades bélicas por conta de outrém, seja ofensivas, seja preparatórias da ofensiva. A experiência mostrou que no passado o Hezbollah debaixo dos olhos da ONU, em violação das suas resoluções e à revelia de qualquer autoridade soberana nacional do governo libanês, foi construindo uma infra-estrutura militar, centros de comando, rampas de lançamento, túneis, bunkers, toda a parafernália que lhe permitiu defrontar Israel no actual conflito e que levou uma destruição considerável do tecido urbano desde Beirute para o sul.

Se Israel permitir que diante dos seus olhos, a força de interposição faça de conta que estas actividades militares do Hezbollah não são de sua responsabilidade evitar, então esta guerra foi inútil e Israel perdeu-a. Ao aceitar a resolução da ONU, Israel jogou em factores que têm considerável imprevisibilidade, mas têm também uma lógica de futuro. Tinha de facto sentido neste momento dar à comunidade internacional, eufemismo para uma parte da União Europeia, uma oportunidade de se envolver nos conflitos do Médio Oriente, nem que seja para ter uma prova de vida e receber um banho de realidade. Não é mal jogado, porque isso pode levar ao isolamento do Irão e da Síria, e do seu grupo armado, o Hezbollah, ao aumentar o número de participantes activos no conflito que inevitavelmente entrarão em conflito com os grupos terroristas. Mas nem por isso deixa de ter elementos de jogo, risco.

Vamos pois adiar a resposta à pergunta de quem “ganhou”. Tem sentido a pergunta? Claro que tem, não se anda a morrer e a matar para ficar na mesma ou pior, e isso é válido tanto para Israel como para o Hezbollah. Ambos pagaram um preço pela situação actual, que não é a mesmade antes da guerra. Vamos pois esperar para ver e deixemos para os propagandistas os gritos de vitória já.»

Pacheco Pereira
Sábado e abrupto.blogspot.com

sexta-feira, agosto 18, 2006

Duas ou três ideias sobre Deus

"Em Maio de 1953 o semanário carioca Flan publicou um entrevista do poeta e compositor Jayme Ovalle, conduzida por Vinicius de Moraes. À pergunta, “o que é o câncer?”, respondeu Ovalle: “O câncer é a tristeza das células. A tristeza é que dá câncer”. A frase serviria de epígrafe a um poema de Vinicius, “Sob o Trópico de Câncer”, que começa assim: “Sai, Câncer / Desaparece, parte, sai do mundo / Volta à galáxia onde fermentam / Os íncubos da vida, de que és / A forma inversa”. O último verso, “Deus está com câncer”, ocorre-me com alguma frequência, sobretudo em momentos de desalento diante do estado do mundo. Não sei se Deus adoeceu, mas suspeito que há-de ter, realmente, perdido a alegria.

Na famosa entrevista conduzida por Vinicius, Ovalle também fala de Deus, aliás, com muito bom humor. “Deus fez muito rascunho”, diz: “o hipopótamo, por exemplo, é um rascunho de Deus”. E quando, logo a seguir, Vinicius quer saber porque fez Deus as mulheres feias, responde Ovalle: “As normalmente feias, Deus fez para casarem com homens bonitos. Quanto às irremediavelmente feias, foram feitas por Deus para povoar as igrejas de madrugada, para usarem grandes rosários e serem beatas”.

As longo dos últimos milénios a humanidade tem prestado culto a bosques, rios, insectos, serpentes, lobos, ninfas, anjos, gigantes, bodes, estrelas, montanhas, ao fogo, ao vento, à noite, e a todas as combinações possíveis entre isto tudo. Ainda hoje há quem cultue a pedra negra, e quem prefira rogar a ajuda de um simpático elefante com corpo de homem. Quanto a mim, de todos os deuses que tenho conhecido, em geografias muito diversas, afeiçoei-me sobretudo a um imenso Buda, algures na Malásia, que sorri, reclinado, enquanto dorme. Há também nos terreiros de condomblé, no Brasil, duas ou três figuras secundárias que desde há muito suscitam a minha simpatia e curiosidade. Um marinheiro, um negro elegantíssimo, de chapéu panamá na cabeça, e, sobretudo, um índio vestido com um cocar de penas e largas calças de couro. Não se trata de um índio brasileiro, como seria de esperar, mas de um índio norte-americano, saído directamente de um filme de caubóis. Suponho que a televisão e o cinema tenham tornado os índios norte-americanos mais familiares à generalidade dos brasileiros do que as suas próprias populações originais. Os pessimistas, talvez protestem, exaltados, ao darem com o índio – “alienação! Imperialismo cultural!”. Os optimistas, pelo contrário, dirão que a divindade é mais um exemplo da extraordinária capacidade integradora da cultura popular brasileira, que tudo devora e assimila. Os mais crédulos hão-de querer saber, simplesmente, o que come o santo e quais os seus atributos. Eu gosto dele porque me leva de volta à infância. Um deus que nos leve de volta à infância – pode haver melhor? Ao lado do índio poderia colocar ainda o Pato Donald e um carrinho de rolamentos. Mas o índio, claro, tem outra dignidade. Fica-lhe melhor o papel de pequeno Deus.

A filha de uma amiga, uma menina de dois anos, ouvindo falar de Deus (a políticos e sacerdotes, bonecos animados, cantores e modelos) ficou curiosa. Sacudia, imperativa, as saias da mãe: “A menina quer Deus!”. Um dia, porque ela insistisse, já chorando, e não havendo um deus que a sossegasse, deram-lhe o objecto que estava mais à mão: uma caixa de sapatos vazia. Resultou. Agora ela arrasta a caixa de sapatos para todo o lado. As visitas, vendo-a tão atenta à caixa, perguntam-lhe:
– O que levas aí dentro?
E ela, impávida, como os seus grandes olhos líquidos:
– É Deus!
Não a contesto. Acho mais provável que habite um deus dentro daquela caixa, venerando a menina, olhando para ela e protegendo-a, do que na casa daqueles que matam, ou se deixam matar, em nome Dele."

José Eduardo Agualusa
Pública, 13 Agosto 2006

terça-feira, junho 20, 2006

«É você que controla a mudança de clima»

"A campanha desafia cada um de nós a introduzir pequenas alterações na rotina diária, com vista a reduzir significativamente as emissões de gases com efeito de estufa. Oferece um manancial de sugestões práticas e simples de executar, ao mesmo tempo que incute nas pessoas um sentido de responsabilidade e poder pessoais e as ajuda a contribuir para o combate às alterações climáticas. Na União Europeia, o sector doméstico é responsável por cerca de 16% do total das emissões de gases com efeito de estufa, provenientes, na sua maioria, da produção e utilização de energia. Nos próximos dias, a campanha será lançada pelos Estados-Membros da União Europeia a nível nacional.

“Para a Comissão, o combate às alterações climáticas é uma prioridade”, afirmou Durão Barroso. “Esta campanha complementa e reforça os nossos esforços políticos e legislativos e torna claro em que medida todos somos responsáveis pelas alterações climáticas e o que podemos e devemos fazer para limitar essa ameaça.”

Nas palavras do Comissário Dimas: “As pessoas podem dizer que o seu comportamento individual não importa. Eu digo o contrário: as habitações na UE são responsáveis por grande parte das emissões totais de gases com efeito de estufa, pelo que cada um de nós tem um importante papel a desempenhar na sua redução. A nossa campanha dará aos cidadãos informações sobre as alterações climáticas e sobre o seu papel no combate às mesmas. Fazer o que é correcto não é tão difícil como parece.”

www.europa.eu

De acordo. No entanto, confesso que o tom que parece acusar-nos, a cada um enquanto indivíduo, de ser o responsável pelos "maus tratos" ao ambiente, é atroz. Falo de uma campanha que visa sensibilizar (eu digo acusar) os automobilistas da sua responsabilidade na poluição ambiental. É claro que percebo o intuito da campanha e que o objectivo é precisamente este, mas estão garantidas as alternativas? Não. Está garantida a segurança nos tranportes públicos? Não. Até lá, vou de carro.

segunda-feira, junho 19, 2006

Serviço público

Os jogos do Mundial deveriam ser transmitidos em sinal aberto? Então, a culpa é da RTP que, por ser a estação pública de televisão, deveria assegurar esse serviço? A culpa é da TVCabo e da Sporttv? Se muitos assinantes do «pacote base» da TV Cabo subscreveram um serviço que inclui canais como «M6» e «RTL» que transmitem alguns jogos do Mundial é justo (legal!) a TVCabo cortar o sinal desses canais nas horas de transmissão dos jogos? Alternativas para ver os jogos existem na Internet, mas a qualidade da transmissão não é obviamente a mesma. Isto faz algum sentido ou ao Campeonato do Mundo de Futebol não deveria ser dada mais atenção do que ao Campeonato Regional de Malha?

quarta-feira, maio 24, 2006

«Pacheco Pereira»

«Não contava voltar a Carrilho e ao seu livro. Mas calhou ver parte substancial do debate que a RTP promoveu na segunda- -feira, e onde de novo o livro do derrotado candidato autárquico esteve na berlinda. E calhou, uma vez mais, estar absolutamente de acordo com Pacheco Pereira - que não é jornalista, é político, e cuja voz crítica sobre o jornalismo acho muitas vezes excessiva e despropositada.

Neste caso, no entanto, Pacheco Pereira tornou-se, no artigo que escreveu no Público e em toda a intervenção no Prós e Contras, a voz da razão. Não deixou de sublinhar a única questão relevante e válida do livro Sob o Signo da Verdade - a necessidade de in-vestigar a fundo a relação entre empresas de comunicação e jornalistas (e no dia em que esse trabalho for feito vai ser surpreendente perceber toda a teia que liga o "centrão", o Governo, qualquer que seja, o mundo empresarial e os media e quem os detém...) -, mas colocou no seu devido lugar o disparatado discurso vitimizado de Carrilho, e a peregrina ideia do ex-candidato de ganhar o melhor dos dois mundos: deixar explorar a vida privada e controlar os danos causados por essa permissão.

Pacheco Pereira devia ser o provedor da informação portuguesa. Podia bem dar a cara, sozinho, pela Entidade Reguladora da Comunicação. Ele constitui, neste momento, o mais lúcido e sensato observador dos media. Não se deixa levar pela espuma dos dias, chega a ser exagerado quando vê in-tencionalidade no acaso (quantas vezes uma fotografia para a primeira página de um jornal é escolhida por falta de alternativa ou na preguiça de final de tarde que toca, mais tarde ou mais cedo, a todos?). Mas não deixa de observar, analisar, pensar e escrever. É uma voz de consciência crítica essencial ao jornalismo. Esse é o seu mérito intelectual.

No debate da RTP, onde tantas vezes se atirou areia para os olhos do incauto espectador (Carrilho é mestre nessa arte, desde sempre), Pacheco Pereira distinguiu o trigo do joio, separou a demagogia do argumento. É talvez por isso que ele é um bom político - o que neste caso o remete para a condição de político de bancada, para não dizer outsider na sua própria família. Uma verdadeira ironia num país onde Carrilho "existe". Ou talvez não: talvez seja essa a lógica perversa do sistema...»

Pedro Rolo Duarte, Diário de Notícias

segunda-feira, maio 22, 2006

O livro

Manuel Maria Carrilho escreveu recentemente um livro que ainda não tive oportunidade de ler e, ainda que tendo, não sei se lerei.

À margem das leituras, não deixa de ser um exercício bastante interessante ver o chorrilho de dispartares que Carrilho e o seu «advogado de defesa», Emídio Rangel, vão proferindo a esta hora na RTP.

É preciso muita paciência da parte de Ricardo Costa, de Rui Pedro Batista e até de Fátima Campos Ferreira para ouvir tais acusações disparatadas que para ali vão sendo disparadas. Pacheco Pereira mantem-se à parte.

Como salientou Pacheco Pereira: em causa não se põem as qualidades de filósofo do Professor Manuel Maria Carrilho, mas este género de discurso é de lamentar.

Disfrutem do exercício.

sexta-feira, março 10, 2006

Boa noite, liberdade

«Boa Noite, e Boa Sorte era inteiramente merecedor do Óscar do melhor filme e da melhor realização, mas acabou por não ganhar nenhum, e George Clooney recebeu apenas uma compensação simbólica como actor secundário num outro filme em que participou, Syriana. O melhor filme de Spielberg em muitos anos, Munique, uma obra dura e sombria, sem o sentimentalismo habitual do realizador, também não foi recompensado. E o grande favorito, Brokeback Mountain , perdeu o Óscar principal para Colisão, um engenhoso filme-mosaico à maneira de Altman, indiscutivelmente simpático no seu empenhamento anti-racista, mas menos propício a ferir susceptibilidades do que a crónica do amor trágico entre dois vaqueiros gay, que Bush declarou não querer ver.

Assim, depois da ousadia inédita de ter nomeado um conjunto de filmes politicamente (ou moralmente) incómodos, a Academia de Hollywood fez marcha atrás e preferiu distribuir o desconforto por muitas aldeias. Seja como for, esta confluência de filmes em ruptura com os padrões estafados do entertainment e dos blockbusters (sem esquecer o notável Capote do estreante Ben Miller) constitui um fenómeno altamente sintomático. Como se, perante a crise de credibilidade e o conformismo dos media tradicionais americanos, o cinema chamasse a si o papel de consciência crítica de uma sociedade onde o medo prenuncia o eclipse das liberdades.

Em Boa Noite, e Boa Sorte, George Clooney reconstitui, num contrastado preto e branco de film noir e com uma precisão maníaca de detalhes, a atmosfera da América "mccarthista" dos anos 50, quase sem sair do espaço fechado e claustrofóbico de um estúdio de televisão. Mas esse olhar clínico e quase "documental" (gerindo sagazmente a ambiguidade entre o "documental" e o "ficcional", sobretudo nas cenas em que aparece McCarthy como se fosse um actor do filme), em vez de nos afastar cinco décadas para trás, aproxima-nos da actualidade. Quanto mais rigorosa é a observação desse tempo datado, mais fortemente somos projectados, com uma eficácia fulgurante, para o tempo em que vivemos, para a América de George W. Bush, do Patriot Act e de Guantánamo.

Em momento algum Clooney propõe aproximações panfletárias e caricaturais - como faria Michael Moore - entre o "mccarthismo", a psicose do comunismo ou da Guerra Fria e o terrorismo ou as ameaças às liberdades civis nos dias de hoje. Nada disso é referido, ilustrado ou sublinhado a traço grosso. Nada disso está no filme - está em nós, na evidência de uma história que corre o risco de repetir-se e de que somos testemunhas. Quando, em Boa Noite, e Boa Sorte, ouvimos o jornalista Ed Murrow dizer que "não podemos defender a liberdade no exterior e abandoná-la em casa", sabemos que ele está a referir-se à América "mccarthista". Mas essas palavras soam com uma pertinência perturbadora nestes tempos em que o medo do terrorismo - como outrora do comunismo - está a minar os valores de civilização e as resistências democráticas das nossas sociedades. E é aí que começamos verdadeiramente a perder a batalha - como Murrow também alertou - a favor dos inimigos da liberdade.

O caso das caricaturas de Maomé veio tornar mais nítido o perigo dessa derrota. Temos, por um lado, os que em nome do respeito pelas crenças religiosas aceitam abdicar de princípios essenciais das sociedades seculares e democráticas, cedendo à chantagem do fanatismo. "Compreensível", diria Freitas do Amaral. E temos, por outro lado, aqueles para quem o combate ao terrorismo justifica (ou pelo menos desculpa) a restrição arbitrária e crescente dos direitos civis nas democracias ocidentais. "Compreensível", argumentaria Dick Cheney.

Para além das suas diferenças ideológicas, esses dois campos convergem numa idêntica cegueira e num mesmo desprezo pelas liberdades. Ora, a luta contra a chantagem do fanatismo religioso - ou dos interditos à ofensa do sagrado, como alguns pretendem - não se pode separar da luta contra o arbítrio securitário que, a pretexto do terrorismo, faz tábua rasa dos direitos civis no mundo democrático.

O debate parlamentar de quinta-feira passada sobre a posição do ministro dos Estrangeiros acerca das caricaturas de Maomé confirmou, infelizmente, as piores previsões. Nem a esquerda nem a direita se apercebem do que está em jogo, quer quando se absolve como "compreensível" a violência fanática, quer quando se assiste passivamente aos atentados contra o Estado de direito no Ocidente.»

Vicente Jorge Silva
Jornalista

domingo, janeiro 08, 2006

Pingo Doce vs Minipreço

A actual campanha do Pingo Doce também despertou a minha atenção, e pelo que me explicaram a publicidade comparativa é permitida em Portugal. Existe apenas um senão: só pode ser dito que um produto é melhor ou igual a outro se for possível prová-lo empiricamente. A empresa pode inclusivé ser levada a tribunal mas não há problema se conseguir provar em frente ao juíz aquilo que a publicidade alega e ao que parece o Pingo Doce diz possuir um estudo que prova que têm os melhores preços.

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"E não é que agora os supermercados Pingo Doce decidem provocar a concorrência? Não é por nada, mas prevejo que uma campanha como esta, vai acabar em processo judicial. Estão abertas as hostilidades!

A história é simples: O Pingo Doce decidiu comunicar que a ideia que se tem que o Minipreço é o mais barato, está errada. Pelo menos quando estamos a falar em produtos iguais. Vai daí, toca a comparar explicitamente marcas, supermercados e preços. Dum lado uma cliente do Minipreço, puxa do seu produto marca DIA e do outro uma cliente Pingo Doce puxa do seu produto marca Pingo Doce. Mas não! Ainda não é agora! O Voz-off alerta-nos para o facto dos produtos não serem iguais... inteligente. Então sacam as duas de produtos iguais, da mesma marca, para se concluir que têm os dois o mesmo preço.

Entretanto parece que o Minipreço já lançou um curto anúncio a explicar que os únicos supermercados que têm preços tão baratos como o Minipreço... são os outros supermercados Minipreço.

Gosto da guerra, duvido da legalidade... mas a mim parece-me que certas e determinadas agências andam com muito trabalhinho neste momento."

in http://pubmundo.blogspot.com/

sexta-feira, dezembro 16, 2005

TGV a baixa velocidade

Portugal está decididamente na rota do TGV. O Executivo liderado pelo Primeiro-ministro José Sócrates apresentou no dia 13 de Dezembro no Centro de Congressos de Lisboa o projecto de Alta Velocidade português ficando assim garantido que ainda neste mandato se construirão as primeiras infra-estruturas necessárias ao TGV.
Para uns o projecto afigura-se desnecessário, e até irresponsável numa altura em que são exigidos inúmeros esforços: os impostos aumentam, levando a uma subida dos preços dos produtos, enquanto que os salários teimam em não subir, deixando à população um menor poder de compra. Miguel Beleza é um dos opositores a um projecto que apelida de megalómano, traduzindo em números a construção das quatro linhas: “O TGV custa o equivalente a ano e meio de IRS de todos os portugueses. Se não fosse construído o TGV podíamos deixar de pagar esse imposto durante um ano e meio.”
Para outros o projecto é fundamental para retirar Portugal da crise e impedir o atraso que o país já verifica nesta matéria em relação a outros países da Europa, sobretudo em relação à vizinha Espanha. Estudos revelam que poderão ser criados 100 mil postos de emprego.
Porém, quer um quer o outro lado dos argumentos não chegaram ainda à questão central. Talvez neste campo os media sejam também responsáveis, sempre interessados em números e prazos que façam as manchetes. E se lhe disserem que o que está em jogo não é o TGV? Se lhe disserem que aquilo que está a ser decidido está “escondido” para além da sigla TGV. De facto tem sido ela a grande responsável pela desinformação. Train à Grand Vitesse. É esta a descodificação da sigla, originária de França: Comboio a Alta Velocidade, traduzido à letra.


Bitola: uma adaptação necessária


O principal problema de Portugal é então o que no meio ferroviário se designa por Bitola (distância entre os eixos das composições ferroviárias). Utilizada nos media, a sigla TGV tem sido, errada e comummente, confundida como designação para as linhas de bitola europeia em que circulam os comboios de alta velocidade. De facto, TGV deve só designar os comboios que circularão a velocidades acima dos 300 km/h. Esta confusão tem levado a que o público entenda que em todas as linhas os comboios circularão a esta velocidade. Assim não vai acontecer.
Clarificando: as linhas portuguesas (quer de mercadorias, quer de passageiros) são de bitola ibérica (166,8cm), ou seja, mais larga do que a bitola europeia (143,5cm), que equipa já o território espanhol e de grande parte da Europa. Assim, a construção do TGV em Portugal tem por base primeira a construção de linhas que permitam a Portugal estar ligado por ferrovia a Espanha e consequentemente ao resto da Europa. “A questão não é a implementação em Portugal de comboios a circularem a velocidades astronómicas, mas sim a da construção de um tipo de linha que impeça Portugal de se tornar uma ilha ferroviária”, como argumenta António Brotas, Professor Jubilado do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico (IST). O professor esclarece ainda que em algumas destas linhas, de bitola europeia, circularão de facto comboios de Alta Velocidade, mas noutras isso não vai acontecer. “Em algumas das linhas circularão apenas comboios a velocidades mais baixas (200 km/h). É pois conveniente desfazer o equívoco de que Portugal vai só ter linhas para comboios a circular a mais de 300 km/h.”
Embora se afigure indispensável a construção das linhas de bitola europeia, as linhas de bitola ibérica, que neste momento possibilitam a circulação das carruagens, vão ainda subsistir durante duas ou três décadas, sendo conveniente, segundo o professor, “que à medida que forem sendo renovadas se pense desde logo na possibilidade de mais tarde virem a ser adaptadas para a bitola europeia, com a construção dos furos necessários ao estreitamento da via.”
Mesmo que o plano traçado pelo Governo não deixe já margem para dúvidas, a questão da construção das novas vias arrasta-se há já vários governos (a 1ª vez que se ouviu falar de TGV foi em 1988, no Governo então liderado por Cavaco Silva), e nem sempre a solução pensada passou pela construção de novos carris. Outras das soluções pensadas, e hoje posta de parte, foi a da utilização de intercambiadores, que permitissem a mudança de bitola ibérica para bitola europeia, quando os comboios tivessem de atravessar a fronteira e pisar território espanhol. Esta solução permitiria a Portugal manter as suas linhas, sustentadas por uma tecnologia que os espanhóis dominam pela sua posição de vanguarda.


A vantagem espanhola


Há que ter em conta que Portugal não está sozinho nesta iniciativa. Do outro lado da fronteira, Espanha também joga os seus interesses. E devido ao seu avanço (por estar muito mais adiantada, quer em estudos, quer na construção propriamente dita), joga com vantagem. Mário Lino, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, em entrevista ao Diário Económico referiu que “Portugal é um país atrasado, ainda para mais porque Espanha já tem alta velocidade há alguns anos. Além disso, não podemos deixar que se instale na Península Ibérica um esquema de mobilidade que tenha Madrid como único pólo.”
Por já estar numa fase mais adiantada do projecto de alta velocidade, Espanha definiu à partida os seus traçados não só em função do seu território, mas pensando em termos ibéricos, condicionando as possibilidades de Portugal. As linhas a construir hoje em Portugal terão obrigatoriamente de ligar àquelas de que Espanha já dispõe.
Tendo em conta que em Espanha já se circulará em bitola europeia e que Espanha não consegue introduzir os seus produtos em Portugal, devido ao conflito entre bitolas, Espanha poderá vender bem cara a tecnologia que permite aos comboios circularem em ambos os tipos de bitola. Os chamados intercambiadores podem sair bem mais caro do que aquilo que é o seu valor real. Se se tiver em conta que estamos a falar de uma tecnologia que não soluciona, mas adia a solução do problema, mais cara se torna.

Estudos incompletos

Foi recentemente divulgado que Portugal dispõe de 50 milhões de euros para efectuar estudos. Uma verba elevadíssima e que, segundo António Brotas, depois de aplicada deve permitir retirar conclusões mais precisas sobre o comboio de alta velocidade. O professor aponta várias lacunas nos estudos até agora efectuados e a travessia do Tejo é uma delas. Existem actualmente três possibilidades: acima de Vila Franca de Xira, abaixo de Vila Franca de Xira (entre Alverca e Alhandra), ou uma ponte ferroviária entre Chelas e Barreiro, a hipótese mais forte, com um custo previsto de 1,2 mil milhões de euros. Outra das lacunas é a localização do terminal de Lisboa. Até agora, ainda não foi discutido (a hipótese mais óbvia é a gare do Oriente), tendo por isso de se fazer um estudo. Todas estas hipóteses apresentam as suas vantagens e desvantagens, estando por fazer estudos mais rigorosos e exaustivos.
Apesar dos estudos inconclusivos, o Governo liderado por José Sócrates definiu já as prioridades: Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, linhas que são auto-sustentadas na sua exploração (com maior tráfego, logo maiores receitas), mas para as quais ainda não se pode firmar contratos por não haver estudos. O investimento total rondará os 8,3 mil milhões de euros (quase três vezes a pagar pela OTA). O próprio trajecto da linha Lisboa-Porto, destinada exclusivamente a transporte de passageiros, é ainda uma incógnita pois exige a construção de um “corredor” com cerca de dez metros de largura na qual circulará o comboio sendo que há ainda a considerar o perímetro de segurança que rondará os 500 metros para cada lado. Neste espaço não pode existir qualquer tipo de construção ou circulação pelo impacto que causa a movimentação de um comboio a 300 km/h. Assim é fácil compreender as dificuldades da construção deste trajecto que atravessará todo o litoral nacional, a zona mais densamente povoada de Portugal.

“T”, “Pi” ou “L” – que traçado?

A controvérsia surgiu também em torno de qual o modelo a adoptar para a implementação do traçado TGV em Portugal. O modelo “T” deitado foi proposto por Portugal na cimeira de Valência, em 2002, numa ligação que consistia numa linha desde Cáceres ao centro do nosso país (Tomar), sem passar por Mérida e Badajoz. Esta proposta não foi levada a sério porque estas cidades não iriam aceitar serem excluídas da futura linha de Alta Velocidade e porque os nossos representantes nem sequer apresentaram qualquer estudo referente a estes traçados.
Na cimeira luso-espanhola da Figueira da Foz escolheu-se o modelo “Pi” deitado. Esta opção permite uma ligação rápida entre Lisboa e Porto e três entradas em Espanha: por Badajoz, por Salamanca e por Vigo. A futura rede de Alta Velocidade (AV) e Velocidade Elevada (VE), em bitola europeia, deverá permitir a ligação entre os diferentes sistemas ferroviários da EU, circulando os comboios em AV, de velocidade máxima 350km/h, e em VE, de velocidade máxima 250km/h. Os comboios de AV farão a ligação entre os terminais mais distantes das linhas, sem paragens, ou com escala nas cidades mais importantes. Os comboios chamados AV Regional farão a ligação entre os pontos intermédios ou destes aos grandes centros urbanos.
O jornalista Carlos Cipriano, especialista em assuntos ferroviários, discorda do modelo do “Pi” deitado. Cipriano defende que o modelo mais adequado é o modelo em “L”, pois acredita que os factores económicos impossibilitarão a construção da linha que ligará Aveiro a Vilar Formoso, deixando assim isolado o Porto. Com este modelo, os utentes portuenses que queiram ir para Madrid têm de passar por Lisboa.
Mário Lino afirmou porém que “as ligações não prioritárias não estão em risco. O que temos de fazer é ver quais são as características que essas linhas têm de ter para se adaptarem à procura”.

Datas a cumprir

Na cimeira luso-espanhola da Figueira da Foz, em 2003, decidiu-se a construção de quatro linhas em Portugal: Lisboa – Madrid em alta velocidade (AV) e Porto – Vigo, Aveiro – Salamanca e Faro – Huelva em velocidade elevada (VE). Já em Novembro deste ano, na cimeira de Évora, o primeiro-ministro José Sócrates comprometeu-se em construir as mesmas quatro linhas, mas alargou as metas antes definidas, alegando serem “irrealistas”.
Espanha já começou neste mês a adjudicar os contratos da construção da linha Madrid – Badajoz, que depois deverá continuar no sentido Badajoz e prolongar-se até Lisboa. Está previsto um atraso também do lado espanhol, devendo este troço estar acabado só em 2013, também, tal como o troço português.
“O prazo de 2013 poderia ser acelerado se Portugal tivesse condições financeiras mais folgadas. São datas perfeitamente ao nosso alcance, para desenvolver o projecto com rigor, transparência, com concursos públicos claros, que mobilizem o sector produtivo português”, reitera o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.