sábado, julho 02, 2005

Um espaço diferente

O Mercado da Ribeira pode já não ter a agitação de outros tempos, quando logo pela manhã a cidade se concentrava naquele espaço, mas com as recentes mudanças o espaço ganhou uma nova vida, como que tradição e modernidade se unissem em perfeita consonância.

No Mercado da Ribeira, em Lisboa, o dia começa bem cedo. Por volta das 5 da manhã, à medida que chegam as primeiras mercadorias, começa o movimento. Pessoas, carros, frutas, vegetais, peixe, flores, caixotes. Uma confusão já quase que mecanizada, pelos que seguem a mesma rotina todos os dias, vai-se instalando. Pelos curtos corredores por entre as bancas correm os abastecedores, num ritmo e velocidade que exige a perícia de quem já conhece há muito os cantos à casa. Há medida que nascem os primeiros raios de sol a azáfama vai diminuindo no mercado, contrastando com o que se vai passando lá fora com o aproximar da hora de ponta. Os carros que percorrem aquela zona junto ao Cais do Sodré passam despercebidos dentro do mercado onde a calma se começa a instalar.

Na banca de vegetais da D. Preciosa Ferrão já está tudo pronto para a venda. Infelizmente as coisas já não são como antigamente. “Isto já não é o que era. Agora é só velhadas”. A D. Preciosa recorda entre risos os velhos tempos quando o mercado se enchia de gente nas primeiras horas do dia e ali se juntavam pessoas de todas as idades e classes, num espaço que era mais do que um local de compras mas também um ponto de encontro. Na banca em frente alguém compra um cacho de bananas enquanto o vendedor grita com o miúdo que “está a impedir a passagem de quem trabalha”! Vê-se o brilho nos olhos da D. Preciosa que com saudade fala dos bons tempos que tem passado atrás na sua “banca verde”.

Passando pelo corredor central das floristas mudam as cores e os cheiros até chegarmos à parte nova do mercado onde estão as peixeiras. “Olha o peixe fresquinho!”. Já não se ouve o pregão. A calma mantém-se. “O peixe aqui é mais fresco, mas a pessoas preferem as grandes superfícies. Os jovens só vão aos hipermercados”. Vê-se alguma angústia na cara da D. Teresa Oliveira. Peixeira desde sempre, na praça ou no mercado, tem visto “o negócio sempre a cair desde que começaram a aparecer por cá os grandes supermercados”. Apesar de tudo gosta da vida que leva, não se imaginava a fazer outra coisa. Desde sempre vendeu o seu peixe e é isso que vai continuar a fazer. Na banca do lado a D. Ana vai amanhando o peixe e pondo a conversa em dia, enquanto o marido ainda vai trazendo algum peixe para a banca.

As bancas já estão cheias. Os clientes habituais vão chegando, mas poucos mais do que esses.

O lado mais tradicional do Mercado da Ribeira pode já não ter a vida de outros tempos, mas no piso superior começa a nascer um novo espaço. O “Espaço Ribeira” trouxe novo fôlego ao Mercado. Com a remodelação iniciada em 2001 nasceram um restaurante, um bar, uma loja e um salão onde se realizam actividades para “jovens” de todas as idades.

A partir das oito da noite despertam os ritmos cubanos, as salsas e os merengues. O grupo “Swing Cubanos” saiu do antigo Salsa Latina, nas Docas de Alcântara, e encontrou no “Espaço Ribeira” “um local descontraído onde todos podem aprender a dançar. Não há idade para começar e nem sequer é preciso ter par”, diz Nuno Catarino, um dos responsáveis e professor. Uma aluna conta que “ parece que ao chegar ali se consegue ainda sentir o cheiro das frutas e dos vegetais frescos.”

Na parte ocidental do piso superior do mercado situa-se o Restaurante, dividido na “Sala Ribeira” e os espaços “A Barra” e “A Varina”. Um grupo de jovens janta por ali. Provavelmente uma festa de anos. A noite está animada. Rapazes e raparigas falam alto, bebem, dançam, cantam. Um casalinho refugiou-se num canto no que parece ser uma tentativa de conquista por parte do rapaz já bebido enquanto a tímida e corada rapariga se vai enterrando na parede.

Ali ao lado abre portas o “RibeirArte Bar”, inaugurado em Fevereiro deste ano. O bar da ribeira é um espaço intimista e acolhedor. O gerente do espaço, Vítor Sarmento, confia no crescimento do negócio e vê na música ao vivo o principal trunfo para o fazer. “A principal aposta será na música portuguesa. Actualmente dá-se demasiada importância à música brasileira e inglesa. No “RibeirArte Bar” a prioridade será a música portuguesa”. A partir das onze da noite podem-se ouvir os primeiros sons. Vítor Sarmento tira o casaco e a gravata para tocar com a sua banda “Erva de Cheiro”, um grupo que tem em comum “o gosto pela música popular e tradicional portuguesa e uma amizade que os une enquanto amadores e amantes da música”. A música segue pela madrugada adentro.

O ambiente nocturno é a outra face do mercado que contrasta com a lida dos madrugadores que despertam ainda antes da cidade. Num ciclo quase que ininterrupto o Mercado da Ribeira não dorme. Com o nascer do dia regressam para casa os que por ali passaram a noite, cruzando-se com os abastecedores que começam a chegar ao mercado para mais uma vez encherem as bancas de cores e cheiros.