quarta-feira, maio 24, 2006

«Pacheco Pereira»

«Não contava voltar a Carrilho e ao seu livro. Mas calhou ver parte substancial do debate que a RTP promoveu na segunda- -feira, e onde de novo o livro do derrotado candidato autárquico esteve na berlinda. E calhou, uma vez mais, estar absolutamente de acordo com Pacheco Pereira - que não é jornalista, é político, e cuja voz crítica sobre o jornalismo acho muitas vezes excessiva e despropositada.

Neste caso, no entanto, Pacheco Pereira tornou-se, no artigo que escreveu no Público e em toda a intervenção no Prós e Contras, a voz da razão. Não deixou de sublinhar a única questão relevante e válida do livro Sob o Signo da Verdade - a necessidade de in-vestigar a fundo a relação entre empresas de comunicação e jornalistas (e no dia em que esse trabalho for feito vai ser surpreendente perceber toda a teia que liga o "centrão", o Governo, qualquer que seja, o mundo empresarial e os media e quem os detém...) -, mas colocou no seu devido lugar o disparatado discurso vitimizado de Carrilho, e a peregrina ideia do ex-candidato de ganhar o melhor dos dois mundos: deixar explorar a vida privada e controlar os danos causados por essa permissão.

Pacheco Pereira devia ser o provedor da informação portuguesa. Podia bem dar a cara, sozinho, pela Entidade Reguladora da Comunicação. Ele constitui, neste momento, o mais lúcido e sensato observador dos media. Não se deixa levar pela espuma dos dias, chega a ser exagerado quando vê in-tencionalidade no acaso (quantas vezes uma fotografia para a primeira página de um jornal é escolhida por falta de alternativa ou na preguiça de final de tarde que toca, mais tarde ou mais cedo, a todos?). Mas não deixa de observar, analisar, pensar e escrever. É uma voz de consciência crítica essencial ao jornalismo. Esse é o seu mérito intelectual.

No debate da RTP, onde tantas vezes se atirou areia para os olhos do incauto espectador (Carrilho é mestre nessa arte, desde sempre), Pacheco Pereira distinguiu o trigo do joio, separou a demagogia do argumento. É talvez por isso que ele é um bom político - o que neste caso o remete para a condição de político de bancada, para não dizer outsider na sua própria família. Uma verdadeira ironia num país onde Carrilho "existe". Ou talvez não: talvez seja essa a lógica perversa do sistema...»

Pedro Rolo Duarte, Diário de Notícias