sábado, dezembro 16, 2006

Saltos de Liberdade


Se passear um destes dias pelas ruas da sua cidade e por acaso vir alguém a trepar uma parede não se admire. O parkour, ou free-running, nasceu em França há cerca de dez anos e chegou a Portugal para ficar.

O parkour, nome originário do francês “le parcours” – percurso ou trajecto – é normalmente classificado, quando o tentam definir, como um desporto radical urbano. Quem faz do parkour um modo de vida, diz que “apesar de o ver como um desporto, é mais do que isso, é um modo de vida”. José Gama, de 24 anos, é um dos principais impulsionadores da modalidade em Portugal.

De frente para o prédio, o traceur (expressão francesa que significa “bala”) – praticante de parkour – tira as medidas ao obstáculo, avalia a melhor forma de o ultrapassar, concentra-se e avança determinado. José Gama, ou Zeric, nome pelo qual é conhecido no meio, traça um paralelismo entre a essência do parkour e a sociedade: “tudo o que são obstáculos sociais, nós aprendemos a ultrapassá-los mentalmente”.
Para um traceur, um obstáculo é um desafio, mais do que isso, é uma oportunidade de chegar mais longe, de conseguir mais e melhor. A base do parkour é essa mesma: ir de um ponto a outro da forma mais rápida e fluida possível.

O parkour tem origem francesa e, embora haja alguma controvérsia em relação ao seu criador, existem dois grandes nomes que são consensuais, embora com perspectivas diferentes, o que faz com que existam duas variantes deste desporto. David Belle valoriza essencialmente a parte física e desportiva do parkour. No meio urbano tudo são obstáculos e o desafio é transpô-los da forma mais fluida, sejam eles prédios, bancos ou telhados. Belle ter-se-á inspirado nos movimentos do seu pai, Raymond Belle, combatente na Guerra do Vietname. Sebastien Foucan, defende um parkour com bases mentais e filosóficas, que remontam ao jeet kune do, um sistema de arte marcial criado por Bruce Lee que valorizava, mais do que a técnica de combate, a filosofia baseada na experiência e no pensamento. Na tradução, jeet kune do lê-se “caminho para interceptar primeiro”. Para Foucan, que participou recentemente no filme 007-Casino Royale numa espectacular cena de perseguição, a essência do parkour é ir mentalmente ao encontro do objecto.

Em Portugal, ao contrário do que acontece em Espanha e principalmente em França, só recentemente o parkour começou a ganhar algum destaque. José Gama conta que “foi difícil de arrancar”. A Internet possibilitou que este desporto se tenha tornado popular entre os jovens e hoje são já vulgares as jams – encontros regulares entre praticantes de parkour – por todo o país. O primeiro encontro nacional ocorreu há cerca de um ano no Parque das Nações, um dos locais privilegiados para a prática de parkour, tal como a zona de Telheiras, onde começaram a aparecer os primeiros traceurs portugueses, em 2004. Actualmente na Internet, um dos fóruns mais populares dedicados a esta actividade conta com mais de 2000 participantes.

João Amaral, de 21 anos, teve contacto com o parkour há uns meses atrás. Viu um vídeo na Internet e foi pesquisar um pouco. O interesse foi instantâneo e actualmente João tem duas tardes por semana reservadas para o treino, seja este em Telheiras, onde começou, ou noutro local. Para João, “mais do que um desporto, o parkour é uma forma de libertação do espírito”. “Nas tardes em que saio para treinar, deixo para trás as preocupações e sinto que sou livre. Não que não seja (risos), mas tenho a sensação de poder vencer qualquer desafio”.

Um traceur vê a cidade de outra forma. Além dos hábitos saudáveis associados a este ritual e da sensação de autonomia que sentem, por não recorrerem a quaisquer acessórios, como por exemplo no rollerblading, o parkour revela-se em mais do que saltar muros ou varandas. Mais do que o desafio físico, o parkour é a constante tentativa de superar os limites. Visto assim, como um meio de nos moldarmos à vida urbana, talvez seja esta uma forma de tornar a cidade mais humana ▪