terça-feira, setembro 12, 2006

"Qual a diferença entre xiitas e sunitas?"

Xiitas

Os xiitas (em árabe shi'a) constituem uma das duas grandes seitas do Islão, criadas com o Cisma que dividiu os fiéis do profeta Maomé, após a sua morte. Literalmente, a palavra "xiitas" significa "partidários de Ali" - o genro do profeta Maomé, que estes muçulmanos acreditam ser o verdadeiro sucessor do Mensageiro de Alá.

Na história recente islâmica, os xiitas eram uma facção política que apoiava o poder de Ali Abu Talib (que casou com Fátima, filha de Maomé), quarto e último califa eleito (governador civil e espiritual) da comunidade muçulmana. Ali tornou-se califa com o apoio, entre outros, dos assassinos do terceiro califa, Uthman, o que fez com que não tivesse obtido a obediência e fidelidade de todos os muçulmanos.

Ali foi assassinado e, a partir daí, os xiitas empenharam-se na defesa da legitimidade religiosa e política dos seus descendentes.

Durante séculos, o movimento xiita teve uma influência decisiva sobre o Islão, apesar da sua posição minoritária. Em finais do século XX, existiam entre 60 e 80 milhões de xiitas, representando um décimo de todo o Islão. Com o tempo, os xiitas dividiram-se em várias seitas semelhantes (entre as quais os ismailitas). O desejo de que os descendentes de Ali se tornassem os líderes do mundo islâmico nunca foi realizado, já que os sunitas sempre foram mais numerosos e expressivos.

Países onde os xiitas são a fé maioritária: Irão (esmagadora maioria, com cerca de 90 por cento) e Bahrein (embora o poder esteja na mão dos sunitas).

São uma minoria significativa no Iraque, Iémen, Síria, Líbano, Arábia Saudita, Índia e Paquistão.

Sunitas


Grupo maioritário do Islão, que domina quase continuamente desde o ano 661, onde representa cerca de 90 por cento dos fiéis.

Os sunitas começaram por defender o califado de Abu Bakr, um dos primeiros convertidos ao Islão e discípulo de Maomé, contra Ali Abu Talib. Geralmente, aceitavam de boa vontade a liderança de qualquer califa ou dinastia de califas desde que proporcionasse o exercício apropriado da religião e mantivesse a ordem no mundo muçulmano.

Os sunitas afirmam representar a continuação do Islão tal como foi definido através das revelações de Maomé e da vida do profeta. O nome sunita vem de "suna" - palavras e acções do profeta Maomé.

Muitos pensam que os sunitas representam a interpretação ortodoxa e correcta do Islão, enquanto as restantes fés se desviam desta interpretação.

Apesar de respeitarem Ali, os sunitas não o consideram como o único verdadeiro continuador da tradição de Maomé nem o vêem como um representante terreno do profeta.

Quais as diferenças de fé entre xiitas e sunitas?


A nível teológico, existem algumas grandes e muitas pequenas diferenças entre sunitas e xiitas. Os dois ramos partilham apenas três doutrinas: a individualidade de Deus, a crença nas revelações de Maomé e a crença na ressurreição do profeta no Dia do Julgamento.

Os "hadith" (as palavras e actos de Maomé e dos primeiros muçulmanos, usadas como suplemento ao Corão, para compreensão do Islão) são diferentes para sunitas e xiitas, dando os primeiros grande importância à peregrinação a Meca, enquanto os segundos dão também muita importância a outras peregrinações.

Os xiitas usam geralmente o termo Imã apenas quando se referem a Ali e aos seus descendentes, ao contrário dos sunitas. Os xiitas acreditam nos imãs que, como descendentes de Maomé e Ali, são vistos como seres com algo de divino. Os sunitas, por seu lado, acreditam em tradições baseadas em escolas teológicas e jurídicas que envolviam analogias do Corão e dos "hadith".

Algumas características particulares dos xiitas: a dissimulação da fé em público, de forma a evitar problemas sociais, é permitida, desde que mantida em privado; existe um casamento temporário, onde o contrato celebrado estabelece um período de tempo entre um dia e 99 anos; estes casamentos temporários podem envolver ou não sexo e/ou o pagamento de dinheiro. De acordo com a crença xiita, o homem que conseguir realizar quatro casamentos deste género assegura um lugar no Paraíso.

Sofia Branco
Publico.pt, 7 de Junho de 2001

sexta-feira, setembro 08, 2006

E se o 11 de Setembro nunca tivesse acontecido?

«Um mundo sem o ataque contra Nova Iorque e Washington seria "um mundo de paz, prosperidade e trivialidade", considera o editor da Newsweek Fareed Zakaria. É possível traçar vários cenários, mas uma coisa é certa: "Haveria suicidas a planear um ataque terrorista contra os Estados Unidos. A história teria sido adiada, mas não teria sido negada.»




«Como seria hoje a América (e o mundo) se o 11 de Setembro nunca tivesse acontecido? Os EUA teriam invadido o Iraque? Conseguiria a Administração do Presidente George W. Bush sobreviver às eleições de 2004? Haveria "bolhas" na bolsa do mercado imobiliário? Estaria a cidade de Nova Iorque a investir na maior operação de reconstrução urbana da sua história? Quanto custaria o barril de petróleo? Qual seria hoje o défice americano?

"Em muitos aspectos, a nossa vida continua a ser tal como sempre foi. Mas ao mesmo tempo, todos sabemos que o 11 de Setembro despoletou alterações profundas - políticas, culturais, sociológicas; intelectuais, emocionais e psicológicas - em Nova Iorque e em todo o mundo", descreve o jornalista John Heilemann, da revista New York Magazine. " A questão é, precisamente, saber quais foram essas mudanças."

A publicação pediu a alguns escritores, jornalistas, políticos, académicos e outros especialistas para fazerem um exercício de ficção e imaginarem o que nunca teria acontecido se a América não tivesse sofrido os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001.

A resposta mais óbvia é: "3000 pessoas ainda estariam vivas", assinala Hank Scheinkopf, um consultor político. "Continuaríamos a chegar ao aeroporto à última hora e não haveria paranóia de segurança. As declarações do Irão seriam pouco importantes. O jornalista Daniel Pearl não teria sido decapitado. O académico Francis Fukuyama seria mais importante do que Samuel Huntington, que seria desmascarado como o cripto-fascista que é. A história teria acabado. A semana teria sete domingos. Wall Street estaria a bater no céu. O barril de petróleo custaria 20 dólares. Fidel Castro ainda seria o grande inimigo. Oliver Stone estaria a fazer um filme sobre Saddam Hussein. Os super-ricos estariam preocupados com a pobreza nos países pobres. Os palestinianos teriam um estado. Os muçulmanos moderados controlariam os extremistas islâmicos. A América seria menos religiosa e a França menos anti-americana", ironiza o escritor e filósofo francês Bernard-Henri Lévy.

"Não teríamos a guerra do Iraque"
"O Congresso nunca teria autorizado o uso da força no Iraque, mesmo sob o argumento ilusório de que Saddam possuía armas de destruição maciça", considera a historiadora Doris Kearn Goodwin.

Para o analista e comentador Thomas L. Friedman, a China seria a principal preocupação da Administração americana. "Antes do 11 de Setembro, o país encaminhava-se para uma espécie de 'guerra fria' com a China. O relacionamento entre os dois países seria muito mais hostil", estima. Os EUA estariam mais preocupados com a Coreia do Norte do que com o Irão, prossegue, e o ritmo da globalização - que não teria abrandado - tornaria a Índia e a China nas maiores ameaças à pujança económica da América.

Sem guerras para combater, o Executivo de Bush teria concentrado a sua atenção na agenda interna. "Sem a guerra ao terror, a prioridades legislativas da Administração seriam as chamadas 'guerras culturais'. Os esforços para reverter a lei Roe vs Wade [direito ao aborto], de estancar a acção afirmativa ou a separação entre o Estado e a Igreja teriam sido muito mais sérias", considera Dahlia Lithwick, da revista Slate.

"Um mundo sem o 11 de Setembro seria um mundo de paz, prosperidade e trivialidade", considera o editor da Newsweek Fareed Zakaria. "Assuntos como o casamento gay ou a história de Terri Schiavo dominariam a atenção pública.

O maior best-seller seria um livro sobre como enriquecer com o investiento imobiliário em zonas ribeirinhas", acrescenta.

Pouca gente acredita que George W. Bush tivesse sido reeleito Presidente se o país não tivesse sido atacado a 11 de Setembro. "Sem o trunfo da segurança na campanha eleitoral de 2004, teria sido praticamente impossível que John Kerry não tivesse ganho as eleições", considera Thomas Friedman. Frank Rich nota que "como os republicanos não poderiam agitar a bandeira do medo, os democratas teriam beneficiado da revolta do eleitorado com a expansão da agenda da direita religiosa, mesmo que não tivessem melhores ideias nem um melhor candidato que a oposição".

Ainda os extremistas islâmicos
Mas mesmo que o 11 de Setembro nunca tivesse acontecido, a América continuaria a ser o alvo principal dos grupos islâmicos extremistas. "O fundamentalismo islâmico e as suas intenções violentas nunca teriam deixado de crescer. Antes dos ataques às Torres Gémeas, seria possível aniquilar uma conspiração como a de Londres? Provavelmente não. Há uma boa probabilidade que há pouco mais de um mês dez aviões teriam explodido sobre os Estados Unidos", estima o escritor Ron Suskind.

"O Afeganistão ainda seria dominado pelos taliban e a Al-Qaeda estaria confortavelmente instalada. Os clérigos wahhabitas andariam a fomentar o ódio ao Ocidente. Os milionários sauditas continuariam a financiar madrassas e grupos militantes fundamentalistas. E claro que haveria suicidas a planear um ataque terrorista contra os Estados Unidos. A história teria sido adiada, mas não teria sido negada", conclui Fareed Zakaria.»

Rita Siza, Nova Iorque
Público, 8 de Setembro de 2006

quinta-feira, setembro 07, 2006

Salazar's "Election"

«Portugal in election week was like a nation under siege—and, in a sense, it was. The air force was alerted. Naval patrol boats growled offshore, and ground troops earmarked for the revolt-torn African colony of Angola were diverted to home duty instead. From the Mediterranean to the Atlantic-whipped northwestern frontier, police mounted a vast network of roadblocks known as "Operation Stop," ostensibly to crack down on auto thieves. Actual reason for the emergency: Strongman António de Oliveira Salazar's obsessive fear that maverick Henrique Galvâo, who stole the Santa Maria and world headlines in an eleven-day protest against the regime last January, plans a coup in Portugal itself.

Even so, Galvâo's Anti-Totalitarian Front took the regime by surprise. Six of his agents hijacked a Portuguese airliner as it approached Lisbon from Casablanca, dumped thousands of anti-Salazar leaflets over the capital, then flew to Tangier. Had Galvao actually landed last week, he might have met little effective opposition. So suspicious of everyone is Salazar that his soldiers were issued machine guns without bolts and rifles without bullets; fighter planes were grounded with empty gas tanks. But the real threat to the regime came from what, in the world's most durable dictatorship, are euphemistically known as elections. In 29 years as Premier, Salazar has never wavered in his belief that Portugal is unready for democracy; he tolerates the appearance of elections, as a government official admitted, only in hopes of satisfying world opinion that he need not fear taking his policies to the people.

To the Bitter End. At stake were the National Assembly's 130 seats, traditionally reserved every four years for members of Salazar's rubber-stamping National Union. They were contested this year by an articulate cross section that was known informally as the "Democratic Opposition" and ranged from monarchists to socialists and old-guard liberals, disenchanted doctors and lawyers to army and navy officers. The opposition platform, which the government labeled "unconstitutional," called for democratic rights, economic progress and an enlightened colonial policy. But the opposition's main target was 72-year-old António de Oliveira Salazar, for as one candidate exclaimed: "The government's only hope is that Salazar is immortal. Like Hitler and Mussolini, this regime is holding out to the bitter moment when all crashes about it."

While Salazar's regime is benevolent compared to the Nazis or Fascists at their worst, the government nevertheless arrested many prominent opponents before the start of Salazar's 30-day campaign period. A dozen more were jailed for signing the opposition's manifesto. Though candidates could be nominated only by petitions signed by 20 local electors, many opponents of the regime found that their backers had mysteriously been disqualified. None were allowed access to electoral rolls; election officials told monarchist candidates that their nomination papers had been filed "one minute too late." Only 59 opposition candidates managed to win government approval. So sure were Salazar's men of re-election that one National Assemblyman toured the U.S. throughout the campaign. After all, his opponent was in jail.

Window to the World. Harassed at every turn, the opposition was unable to rent headquarters in downtown Lisbon, had to settle for three fly-blown rooms in a condemned slum tenement (rent: $400 for 30 days). Posing as sympathizers, secret police tried to worm their way into the organization; one was spotted and nearly lynched. Censors either suppressed candidates' statements, delayed them until the government had its reply ready, or simply doctored them to suit Salazar. The Roman Catholic hierarchy, which has had its differences with Salazar, published a message cautioning Catholics not to vote for "Communists or their allies"—the label Salazar pins on all his opponents —but took pains nonetheless to dissociate the church from "the methods of totalitarian government."

Despite increased support from many Portuguese who approve Salazar's ruthless suppression of the Angola revolt, the regime's unpopularity showed itself in the crowds that queued for admission to opposition meetings and showered even the most pedestrian speakers with wild applause. Under the dour eyes of police at Lisbon's dingy old Republican Center last week, they chorused "Down with fascism" as candidates denounced government "terrorism" in Africa, Portugal's "medieval" police state and meager living standards (per capita income: less than $200 a year). Said one opposition leader: "We are being forced to live on a little island while others march forward. We are being operated like a private farm."

Rather than give Salazar the satisfaction of gloating over a rigged "victory." the opposition dramatically withdrew from the contest five days before this week's scheduled elections, calling on Portugal's 2,250,000 voters to boycott the polls. The government immediately banned all further news of the opposition on the theory that "it no longer exists." Though many opposition leaders faced jail sentences for their part in the campaign, few felt it had been in vain. Said one: "We opened a very small window to show the world the lies and treachery that surround us."»

Time, 17 de Novembro de 1961