sexta-feira, agosto 25, 2006

Quem "ganhou a guerra entre Israel e o Hezbollah?"

«É cedo para se saber, mas Israel é o melhor candidato para uma resposta positiva. E no entanto… vai tudo depender do modo como for aplicada a resolução da ONU, em particular do modo como for constituída a força internacional que controlará o sul do Líbano e o modo como esta actuará. E o dilema é bastante simples: ou essa força impede os ataques contra o território de Israel e favorece um diálogo para a paz, enfraquecendo a actuação dos grupos que pretendem exterminar Israel, ou constituirá um falhanço da ONU e da “comunidade internacional”. Tudo indica que poderá verificar-se a segunda hipótese, o que levará Israel à guerra de novo, mas há sérias razões para dar uma última oportunidade a um maior envolvimento internacional, em particular europeu.

Se a França for o principal país a assumir as responsabilidades de segurança no Sul do Líbano, na base do mandato da ONU, pode ser uma rara oportunidade para a França (e por interposta França para a UE) assumir um papel positivo na região, onde só tem tido um papel muito negativo, em particular pelas ambiguidades da sua política face ao conflito iraquiano. Mas convém não ter ilusões, o mandato das tropas da ONU só será eficaz se estas estiverem dispostas a actuar militarmente contra quem tomar a iniciativa de violar o cessar-fogo, e isso vai significar agir contra o Hezbollah. Em bom rigor, também significaria agir contra Israel, mas parece-me pouco provável que o problema seja essa, pelo menos em teoria. Na prática, situações complexas podem surgir, em particular porque Israel aceita a resolução com ressalva do direito de resposta, o que significa uma ainda maior responsabilidade para a força de interposição, que pode vir a ser apanhada entre dois fogos. Mas a política e a acção militar no Médio Oriente não é para meninos de coro, pelo que se espera que quem se mete, saiba no que se mete.

A força militar, cuja presença no Sul do Líbano é que dá consistência à resolução da ONU, terá também a difícil tarefa de impedir que o Hezbollah actue nessa zona como um grupo armado, ou seja, que se comporte como uma milícia que não responde ao governo libanês e que desenvolve actividades bélicas por conta de outrém, seja ofensivas, seja preparatórias da ofensiva. A experiência mostrou que no passado o Hezbollah debaixo dos olhos da ONU, em violação das suas resoluções e à revelia de qualquer autoridade soberana nacional do governo libanês, foi construindo uma infra-estrutura militar, centros de comando, rampas de lançamento, túneis, bunkers, toda a parafernália que lhe permitiu defrontar Israel no actual conflito e que levou uma destruição considerável do tecido urbano desde Beirute para o sul.

Se Israel permitir que diante dos seus olhos, a força de interposição faça de conta que estas actividades militares do Hezbollah não são de sua responsabilidade evitar, então esta guerra foi inútil e Israel perdeu-a. Ao aceitar a resolução da ONU, Israel jogou em factores que têm considerável imprevisibilidade, mas têm também uma lógica de futuro. Tinha de facto sentido neste momento dar à comunidade internacional, eufemismo para uma parte da União Europeia, uma oportunidade de se envolver nos conflitos do Médio Oriente, nem que seja para ter uma prova de vida e receber um banho de realidade. Não é mal jogado, porque isso pode levar ao isolamento do Irão e da Síria, e do seu grupo armado, o Hezbollah, ao aumentar o número de participantes activos no conflito que inevitavelmente entrarão em conflito com os grupos terroristas. Mas nem por isso deixa de ter elementos de jogo, risco.

Vamos pois adiar a resposta à pergunta de quem “ganhou”. Tem sentido a pergunta? Claro que tem, não se anda a morrer e a matar para ficar na mesma ou pior, e isso é válido tanto para Israel como para o Hezbollah. Ambos pagaram um preço pela situação actual, que não é a mesmade antes da guerra. Vamos pois esperar para ver e deixemos para os propagandistas os gritos de vitória já.»

Pacheco Pereira
Sábado e abrupto.blogspot.com